sábado, 8 de agosto de 2009

Vulcões e a imigração alemã

Desde que comecei a me interessar pelo tema da imigração e da colonização alemã no Rio Grande do Sul, me intrigaram os motivos que levaram tão grande número de pessoas a abandonar suas propriedades, tradições, ligações familiares e tomar a drástica decisão de emigrar para os confins do Império do Brasil no início do século XVIII.
Diversos autores conceituados e respeitados que pesquisaram e escreveram sobre a imigração alemã no Rio Grande do Sul, como Jean Roche, Carlos Oberacker Jr., Aurélio Porto e Carlos Hunsche, associaram esse grande movimento migratório às dificuldades econômicas que atravessavam os países e estados europeus ao final das Guerras Napoleônicas. A derrota francesa em Waterloo havia acontecido em 18 de junho de 1815 e diversas revoltas estavam ocorrendo na França, então sob o reinado de Luis XVIII. Dificuldades imensas na agricultura e na pecuária com colheitas irrisórias, baixa produção de leite e de nascimento de bezerros, propagaram ondas de fome, principalmente nos territórios que hoje constituem a Alemanha, Suíça e França. As dificuldades eram imensas e intensas a ponto de afetar a sobrevivência de grande parcela da população, rural e urbana.
No que diz respeito à migração em direção ao Brasil, além dos autores citados, também Juvêncio Lemos enfatiza o interesse e as ações de Dom Pedro para constituir um Corpo de Estrangeiros no Exército Imperial Brasileiro. Logo após a Proclamação da Independência em 1822, sentindo grande insegurança quanto à manutenção da autonomia do Império do Brasil, visto as tropas serem majoritariamente portuguesas, o Imperador encarregou o major austríaco, Georg Anton Schäffer, de viajar para a Europa e contratar mercenários alemães e irlandeses. A ação de Schäffer, mesmo dificultada pelos tratados assinados após a derrota dos exércitos franceses e pelas tentativas de unificação dos estados alemães, redundou na contratação de soldados avulsos ou de chefes de família (cerca de 3.000 indivíduos), famílias de colonos (cerca de 4.500 pessoas), que totalizaram cerca de 7.500 imigrantes no período compreendido entre 1824 e 1830.


A chegada da 1ª leva imigrantes a Sao Leopoldo, RS em 18/7/1824. Tela de Ernst Zeuner. Acervo Museu Visconde de São Leopoldo

Novamente as causas políticas salientam-se no estabelecimento da justificativa para o fenômeno da imigração alemã para o Brasil. Sob uma ótica atual, todas as análises e os diagnósticos sociológicos, políticos e econômicos feitos pelos diversos autores citados, estão corretas no efeito, porém não consideraram uma causa natural que contribuiu decisivamente para que essa importante movimentação populacional ocorresse. Seria uma injustiça considerar que esses pesquisadores tenham cometido um erro, já que uma nova hipótese está sendo atualmente estabelecida a partir de fatos e dados que estão sendo coligidos e interpretados por geólogos, contribuindo para caracterizar a influência de uma causa natural sobre esse evento migratório.
O fato é que um conjunto de violentos fenômenos naturais ocorridos poucos anos antes do início da emigração, produziu efeitos catastróficos que em 1816 atingiram todo o Hemisfério Norte, especialmente a Europa Central, e concorreram de maneira decisiva para que um grupo tão numeroso de habitantes de uma região tão extensa, tomasse a decisão de abandonar sua vida e buscar novos horizontes.
Mas afinal, que fenômenos naturais foram esses que participaram de tão exótica combinação com outros de natureza política, bélica e social?
Ocorre que em 1812, na ilha de Martinica, os vulcões Soufriére e St. Vincent entraram em erupção. Já em 1814, do outro lado do mundo, foi a vez dos vulcões Mayon e Luzon, localizados nas Filipinas, e finalmente em 10 de abril de 1815, também na mesma região, na ilha Sumbawa nas Filipinas, o vulcão Tambora começou um intenso período de atividade. Parece muito estranho que eventos vulcânicos tão espaçados no tempo e distantes entre si, possam ter exercido influência decisiva sobre um fenômeno social tão importante que ocorreu na Europa.
Estranho, mas perfeitamente plausível, pois apenas a erupção do Tambora, considerada pelos geólogos e vulcanólogos como a mais violenta erupção dos últimos 10.000 anos, lançou à atmosfera entre 150 e 180 quilômetros cúbicos de gases e cinza. Para que o leitor tenha noção mais concreta desse volume, façamos uma analogia com o estádio do Maracanã. Se ele fosse completamente cheio com cinza e gases vulcânicos, conteria apenas 0,0029 quilômetros cúbicos. Desse modo, 55.000 Maracanãs poderiam ser completamente cheios com as cinzas e gases emitidos em um único evento, qual seja a erupção do vulcão Tambora. Há estimativas de que cerca de 117.000 pessoas morreram em decorrência dos efeitos diretos do evento vulcânico, tais como asfixia pelos gases, vaporização dos corpos pela lava, soterramento por nuvens ardentes (poeira e gases com altíssimas temperaturas) ou afogamento pelo tsunami produzido pela erupção. Uma camada de 30 centímetros de cinza vulcânica cobriu o mar a dezenas de quilômetros do aparelho vulcânico de Tambora. Uma coluna de cinza e gases, principalmente dióxido de enxofre (SO2), alcançou rapidamente 50 quilômetros de altitude. Em poucas semanas, uma espessa camada de cinzas e gases envolveu o planeta impedindo a entrada da radiação solar e alterando de forma radical o clima, especialmente no Hemisfério Norte, tanto na Europa quanto na América do Norte.
Para melhor entendermos a magnitude desse evento vulcânico, podemos lançar mão das estimativas feitas a partir de um evento recente e que foi cerca de 12 vezes menor que o do Tambora, e com o qual o leitor provavelmente conviveu.



Refiro-me à erupção do vulcão Pinatubo (foto acima) também localizado nas Filipinas. Em apenas três dias, a erupção iniciada em 12 de junho de 1991, foi responsável por cerca de 10quilômetros cúbicos de magma, cinza e gases, estes compostos por 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre (SO2). Estima-se que além desse gás tóxico, esses materiais continham 2 milhões de toneladas de zinco, 1 milhão de toneladas de cobre, 100 mil toneladas de chumbo, 300 mil toneladas de níquel, 550 mil toneladas de cromo, 800 toneladas de mercúrio e 5,5 toneladas de cádmio, além de quantidades menores de outras dezenas de elementos e compostos químicos orgânicos e inorgânicos. Os efeitos dessa única erupção produziram uma redução de 0,5ºC na temperatura da atmosfera terrestre.
Não existem estimativas cientificamente aceitáveis sobre as quantidades de elementos e compostos químicos lançados à atmosfera pelo conjunto das erupções do Soufriére, St. Vincent, Mayon, Luzon e Tambora, mas os dados meteorológicos da época mostram uma redução de 4,5ºC para a temperatura global. Os efeitos dessa seqüência de eventos vulcânicos foram sentidos com maior intensidade em todo Hemisfério Norte.
Com base em registros históricos, esses efeitos podem ser resumidos da seguinte maneira:
Na Irlanda, choveu durante 142 dias do verão entre maio a setembro. Na Inglaterra, durante todo o verão, a temperatura média foi de 13,37ºC. Os fracassos da colheita foram gerais, devido à baixa temperatura e à chuva persistente. O preço da aveia subiu de 12 para 92 centavos por alqueire (cerca de 900%). Na Suíça, o governo declarou emergência nacional, e as importações de cereais da Rússia foram interceptadas na fronteira por cidadãos famintos. A pena por roubo de comida era a decapitação sumária. Na França multidões de famintos vagavam pelos campos e cidades. Na Alemanha os preços dos cereais subiram cerca de 300%.
No período entre 1816 e 1819, uma epidemia de tifo ocorreu na Europa e na costa do Mediterrâneo. Em toda a Europa, estima-se que pelo menos 200.000 pessoas morreram de fome, de frio e da epidemia de tifo.
Nesse cenário apocalíptico de devastação e de caos social, a possibilidade de emigrar para as Américas se constituía quase na única chance, ou melhor, na certeza de uma vida melhor para milhares de habitantes da Europa Central. Se a migração em direção ao Brasil no período de 1824 – 1830 alcançou cerca de 8.000 pessoas, estima-se que os Estados Unidos receberam um contingente de cerca de 20.000 alemães e irlandeses.
Atualmente, as alterações climáticas provocadas pela ação do homem estão sendo sentidas e observadas em tempo muito curto. Períodos de seca inclemente, destruição provocada por ciclones e derretimento de geleiras contribuindo para a elevação geral do nível médio dos mares com inundações de áreas litorâneas, são efeitos atribuídos ao aumento da temperatura média da atmosfera do planeta conhecido genericamente como efeito estufa. Evidentemente é necessário buscar controles e padrões cada vez mais rígidos sobre as emissões de gases produzidas pela atividade humana sejam fontes urbanas, industriais ou agrícolas. Porém é necessário considerar, por outro lado, que eventos naturais catastróficos, como as erupções vulcânicas, são fatores que desempenham papel importante no conjunto de fatores que provocam alterações climáticas globais e que interferem decisivamente sobre a vida no planeta e sobre as quais infelizmente não temos qualquer possibilidade de controle ou atuação.
Para saber mais, pesquise no Google "1816 year without summer"

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