quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fazer a escolha (cor)reta

A fase final de um levantamento geoquímico que abrange o tratamento dos dados e a elaboração do relatório, inclui a produção dos mapas geoquímicos das variáveis analíticas isoladas e mesmo de suas combinações que foram obtidas por técnicas numéricas de correlação. Há diversas maneiras de representar dados geoquímicos, desde os simples mas eficientes mapas de símbolos graduados na forma, na dimensão e na cor até as elaboradas superfícies geoquímicas que podem ser observadas sob as mais variadas vistas e perspectivas.
Independentemente da maneira que os dados geoquímicos serão representados, a escolha correta da quantidade e da amplitude dos intervalos, da forma e dimensão dos símbolos e da gradação dos matizes para a representação dos valores são fundamentais para que o leitor tenha uma correta percepção das variações do fundo geoquímico, da presença de estruturas geoquímicas coincidentes ou não com a estruturação geológica e da presença de alvos indicados para estudos de detalhe.
Não vale a pena perder tempo comentando e criticando a divisão de dados geoquímicos em uma escala de média mais um, dois e três desvios padrão, técnica aplicável em casos muito especiais, quando os dados seguem uma distribuição normal, o que é raríssimo em exploração geoquímica. Gosto muito de trabalhar com uma escala de percentis pela fidelidade ao conjunto de dados e pela grande flexibilidade na representação. Essa técnica foi adotada pelos serviços geológicos da Grâ Bretanha e da Finlândia na edição dos seus atlas geoquímicos e atualmente adotada por diversos serviços geológicos do mundo. Observe no mapa abaixo que mostra a distribuição do Cr em amostras de sedimentos de drenagem na região ocidental da Escócia, como é clara a estruturação geoquímica SW-NE, que reflete o quimismo do fundo geológico.


Na produção dos mapas e dos atlas geoquímicos do Paraná, também usamos essa técnica. Observe abaixo no mapa geoquimico do Cr em sedimentos de drenagem, no extremo noroeste o baixo geoquímico devido às rochas sedimentares cretácicas dos grupos Caiuá e Bauru, logo surge uma fortíssima elevação dos teores de Cr associados com a porção central do sistema magmático da Bacia do Paraná, pouco mais a leste uma nova depressão dos teores coincide com as rochas sedimentares paleozóicas da Bacia do Paraná e finalmente no extremo leste, uma suave elevação produzida pelas rochas metamórficas de graus e quimismo variados do Escudo. Intuitivamente, as cores quentes em tons amarelos até vermelhos sugerem a elevação dos teores e os tons frios azuis, cinza e preto, sugerem teores baixos.


Porém, por melhor que seja a solução adotada, sempre teremos problemas e limitações. Para começo de conversa, por conceito e rigor estatístico, só podemos usar uma escala em percentis se o conjunto de dados tiver no mínimo 100 valores. Isso parece lógico, não é mesmo ? Se houver menos que isso, as classes começam a ficar vazias por falta de valores, comprometendo a representação. Podem também aparecer classes vazias quando houver grande quantidade de valores semelhantes, fazendo que os limites de uma ou mais classes sejam idênticos. Mas mesmo com essas limitações e restrições continuo preferindo a escala de percentis.
Quando me interessa salientar os valores elevados no agrupamento de bacias em levantamentos geoquímicos de água ou sedimentos de drenagem ou lineamentos e estruturas geoquímicas em uma malha regular de amostragem de solos, seleciono classes com limites amplos para os baixos teores e com limites estreitos para os valores elevados como mostra essa figura ao lado. Porém, nada disso seria efetivo se não fosse escolhida uma escala de símbolos e de matizes adequada para enfatizar as áreas de interesse. Por exemplo, símbolos de tamanho crescente e com preenchimento gradando de cores frias como preto e azul escuro para os valores baixos até cores quentes como amarelo, laranja e vermelho para os valores altos. Os tons de azul e verde ficam para os valores intermediários.
O caso mais espetacular de como um bom tratamento gráfico é fundamental para a valorização e para uma correta apresentação dos resultados é o levantamento de reconhecimento de solos dos EUA (veja o mapa abaixo).


Concebido e realizado em 1984 por Shacklette e Boerngen, dois pesquisadores do USGS - United States Geological Survey, esse trabalho nunca recebeu toda atenção que merecia por dois motivos. O primeiro era a baixa densidade amostral, já que foram coletadas apenas 1314 amostras ao longo da malha rodoviária do país. O segundo deveu-se à apresentação gráfica de pequeno impacto visual, pois pequenos símbolos preenchidos com tons de cinza não foram capazes de entusiasmar ninguém.


No entanto, quando em 1994 Nils Gustavsson do Serviço Geológico da Finlândia reprocessou os dados e reapresentou os mapas geoquímicos (veja o mapa acima) com novas técnicas gráficas, foi possível entender qual tinha sido o objetivo dos autores desse gigantesco e admirável trabalho: delimitar províncias geoquímicas e caracterizar níveis de referência para dezenas de elementos químicos, possibilitando a caracterização das variações do fundo geoquímico devidas ao ambiente natural e às alterações superimpostas pela ação do homem.


A espantosa fidelidade do mapa final produzido com base em apenas 1314 amostras de solo ao ser comparado com o mapa de Duval (1990) (veja o mapa acima), resultante da integração de diversos aerolevantamentos gamaespectrométricos dos EUA que coletaram milhões de pontos de medida, mostra a solidez dos resultados de levantamentos geoquímicos de baixa densidade para o reconhecimento de grandes territórios.

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