sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Eu conheci o Prof. Sylvio de Queirós Mattoso em 1980, no Congresso de Geologia realizado em Camboriú, SC. Ele, pesquisador conhecido e conceituado (e com um basto e respeitável bigode grisalho) da Universidade da Bahia coordenava a mesa dos trabalhos do Simpósio de Exploração Geoquímica. Eu, jovem e trêmulo geólogo, apresentava o resultado dos trabalhos de exploração geoquímica da Companhia Brasileira do Cobre que resultaram na descoberta da jazida de Pb-Zn-Ag da Fazenda Santa Maria, nas vizinhanças das Minas do Camaquã, RS. Depois disso, tive a felicidade de encontrá-lo com sua caríssima Regina, esse casal bem humorado e de bem com a vida, em diversas oportunidades. Como ele participou ativamente de muitos trabalhos pioneiros de exploração geoquímica principalmente na Bahia, o convidei para escrever algumas linhas para incluir na secção “Memórias geoquímicas”. Ao invés de algumas linhas, ele me presenteou com 15 páginas de um belíssimo material que com muita satisfação passarei a publicar em capítulos a partir de hoje. Ao Sylvio, meu caro amigo, agradeço em nome de todos os leitores desse blog, essa rara oportunidade de compartilharmos dessa visão pessoal, criativa e até bem humorada, do início da exploração geoquímica do Brasil.



Capítulo 1 - Algumas notas sobre os primeiros trabalhos de prospecção geoquímica na Bahia
Sylvio de Queirós Mattoso, DSc
Engenheiro de minas e metalurgista


1 - ANTECEDENTES REMOTOS (inclui um breve histórico com leves toques auto-biográficos)
Obs.: O texto contém as hipóteses de trabalho e os resultados de cada projeto para a verificação dessas hipóteses.
Com freqüência, muita atividade nova revela uma história cujo início está distante do local onde se desenvolveu. Isso se aplica em relação à prospecção geoquímica na Bahia, que teve início em 1962, mas resultante de eventos ligeiramente anteriores.
Em 1955, existiu um programa de estágio para brasileiros (e outras nacionalidades) oferecido pelo governo dos Estados Unidos na área de geologia. Naquele tempo chamava-se PONTO IV e foi renomeado para USAID no governo Eisenhower. Segundo os americanos daquela época, os programas oficiais tinham continuidade mesmo quando mudava o governo, embora mudassem o nome, a fim de desvinculá-lo do governo anterior. Dentro do programa do PONTO IV o Brasil teve uma produtiva cooperação entre o USGS, o serviço geológico do governo dos Estados Unidos, e o Departamento Nacional da Produção Mineral, do governo brasileiro, que vinha desde o início dos anos 1940. Esse programa de cooperação entre os dois países esteve voltado para o levantamento geológico da região ferrífera de Minas Gerais e incluiu o treinamento de geólogos brasileiros nos Estados Unidos. A fundação dos primeiros cursos de geologia no país data de 1956, e todos (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife) contaram com a cooperação do programa USAID.
Em 1956 fui indicado para participar do programa de treinamento em geologia nos Estados Unidos, dentro desse programa (PONTO IV = USAID) que, ainda naqueles anos, procurava definir se esses treinamentos deveriam ser feitos em universidade ou em agências do governo americano. Meu estágio se desenvolveu com o U.S. Bureau of Mines e o U.S. Geologial Survey. Anos mais tarde, as autoridades do USAID decidiram que o treinamento de técnicos estrangeiros seria mais bem aproveitado e mais efetivo no ambiente universitário daquele país.
Com o USGS, meu estágio abrangeu trabalhos de geologia de mineração na área de fosfatos da Florida, no mapeamento das “under clays” de Kentucky e um pequeno curso e treinamento em prospecção geoquímica, no laboratório do USGS em Denver, Colorado. Um de meus colegas estagiando nesse curso de geoquímica foi Sérgio Estanislau do Amaral, da FFCLUSP, em junho 1956.
O curso de prospecção geoquímica, em Denver, abrangeu trabalhos de campo e de laboratório com análises geoquímicas também, feitas no campo.
Na ocasião, pareceu-me que a geoquímica se aplicaria muito bem no Brasil, mas não podia imaginar que viria a ser um dos primeiros a aplicá-lo em escala regional no país, mais especificamente na Bahia. Mas para chegar lá havia etapas intermediárias em outras linhas de ação.
Em 1957 fui trabalhar na equipe de formação de geólogos de petróleo de Fred L. Humphrey, no Curso de Geologia do Petróleo – CENAP, que a Petrobras tinha criado naquele ano em Salvador, Bahia. Naquela época, ouvi referências à geoquímica aplicada à pesquisa de petróleo. Em 1961, aceitei o convite para ser professor na recém fundada Escola de Geologia da Universidade da Bahia cujo reitor de grande visão, Edgard Santos, estava dando um grande impulso e um rumo novo à universidade da Bahia. Havia criado três Institutos: o de Matemática, o de Física e o de Química, e em 1957/58 fundou a Escola de Geologia.
Em 1964, fui convidado para participar do programa de Prospecção Geoquímica, que envolvia a Universidade da Bahia, representada pelo recém fundado Laboratório de Geoquímica (1960), e o USGS em convênio com o DNPM, à época, dirigido pelo engenheiro de minas Moacyr Vasconcellos. O líder de geoquímica do USGS no Brasil era Richard (Dick) W. Lewis, responsável pela formação dos primeiros geoquímicos na Bahia, que mais tarde deixaram muitos discípulos, ou seguidores, pelo Brasil.

1.1 Criação do Laboratório de Geoquímica na Bahia: LABOGEO. As primeiras equipes de laboratório e de campo - Em 1960/61, o DNPM, através seu Laboratório da Produção Mineral, assinou um Convênio com a Universidade da Bahia de que resultou a criação do Laboratório de Geoquímica, o qual forneceu todo o apoio analítico ao primeiro levantamento regional de recursos minerais, utilizando geoquímica em nosso país. Foi a primeira vez que se realizou um programa de prospecção geoquímica em nosso país com uma estrutura apropriada de pessoal e equipamento e, em adição, com forte apoio formal do CNPq.
Em 1964, fui convidado para participar do programa de Prospecção Geoquímica, que envolvia a Universidade da Bahia, representada pelo recém fundado Laboratório de Geoquímica (1960), e o USGS em convênio com o DNPM, à época, dirigido pelo engenheiro de minas Moacyr Vasconcellos. O líder de geoquímica do USGS no Brasil era Richard (Dick) W. Lewis, responsável pela formação dos primeiros geoquímicos na Bahia, que mais tarde deixaram muitos discípulos, ou seguidores, pelo Brasil.
A missão inicial do Laboratório de Geoquímica foi a de conduzir os trabalhos do convênio assinado com o USGS e o Laboratório da Produção Mineral do DNPM, à época chefiado por Aida Espinola, bacharel em Química. O Laboratório de Geoquímica da Bahia (Labogeo) era dirigido pela Professora Adelaide M. Santos, também bacharel em Química pela UFRJ. A equipe do Laboratório de Geoquímica incorporou, no setor de análise geoquímica, uma equipe muito ativa composta por: Pedro Sampaio Linhares, egresso do Instituto de Química - Universidade de Sergipe e incorporado ao Labogeo em 1966, Regina M. Ribeiro, Zenobia Rolemberg Ramos, Lauro Sílvio Passos de Azevedo, Walter de Mattos, José Maria de Godoy, Maria Angela Cabral Magalhães, Lícia da Nova Moreira, Maria Cely Brito, Marijorge Dias de Andrade, José Clodoaldo Cassa e os auxiliares dona. Olga e Verdival da Silva Conceição (Carioca). Essa equipe foi pioneira no desenvolvimento de métodos analíticos apropriados para as condições brasileiras de pesquisa na área de geoquímica.
Em 1969/1970, a Universidade Federal da Bahia criou o Departamento de Geoquímica, no Instituto de Geociências, que absorveu todas as funções e todo o pessoal do Laboratório de Geoquímica e, logo em seguida, em 1973, foi criado o Curso de Pós-Graduação em Geoquímica que inaugurou seu primeiro Curso de Mestrado em Geoquímica, que foi imediatamente contratado pelo Ministério das Minas e Energia/PLANFAP e pela CPRM, co-financiado pelo BNDES, formando os primeiros geoquímicos que foram fazer trabalhos de campo no Brasil. Os trabalhos do grupo de geoquímica da Bahia, no período 1961 a 1989, além do CNPq, contaram com o apoio financeiro do Ministério das Minas e Energia/PLANFAP, FINEP e SUDENE em vários de seus projetos e fases. Estamos informados que esse apoio continuou posteriormente.
Havia a preocupação, no início dos anos 1960, em saber se a prospecção geoquímica teria sucesso como método de prospecção mineral nas condições de clima e de geologia do Brasil. A bibliografia especializada disponível sugeria que sim.

1.2 Expansão das atividades do Laboratório de Geoquímica, incorporado como Departamento ao Instituto de Geociências UFBA - Considerando que solo e aspectos de relevo desempenham papel importante na prospecção geoquímica, porque revelavam os caminhos percorridos pelos elementos químicos associados às jazidas e depósitos minerais desde suas origens, o Laboratório de Geoquímica incorporou: (1) um setor de pedologia que contou com a colaboração do governo francês a partir de 1969, por meio de profissionais da ORSTOM, entidade hoje denominada IRD – Institut de Recherche et Developement (Jean Boyer, Pierre Sabaté, Alain Perraud, André Novikoff, Boris Volkoff, Gilles Riché, Gaston Sieffermann, François Soubiès); e (2) o grupo de Geomorfologia da Universidade da Bahia, liderado pela Professora Teresa Cardoso da Silva, seguidora do geógrafo Milton Santos, do qual participavam Pascal e Célia Motti. O grupo francês da ORSTOM (=IRD) treinou e formou vários profissionais em pedologia na Universidade da Bahia, alguns dos quais se incorporaram à geoquímica: Joaquim Julio de Oliveira, Lucedino Paixão Ribeiro e Tersandro Paz do Rego Monteiro (este na operação do aparelho de raios-X). Na área de geologia/geoquímica a equipe adicionou José R. Portela Brim, José Luiz Bautista Vidal, José Luiz Perez Garrido, Dorival Corrêa Bruni, Ricardo N. Andrade, Wilson S. Fontanelli entre outros. Foram também incorporados, mais tarde, para atuar em prospecção geoquímica, Peter Siems, da Universidade de Idaho (Estados Unidos) e Lawrence Baum.
È importante mencionar que o Laboratório/Departamento de Geoquímica, incorporou outros profissionais, como Gianpaolo Sighinolfi, Giuliano Sestin, William Fyfe e Ian Macreath, especializados em geoquímica fundamental e geoquímica de superfície o que permitiu ao LABOGEO estender seus projetos a outros setores da Geoquímica, incluindo biogeoquímica.
O entrosamento perfeito entre as equipes de análise química, geologia, pedologia e geomorfologia enriquecida com participantes da França, Itália, Canadá, Estados Unidos permitiu a realização de trabalhos originais de grande profundidade, que tiveram forte repercussão e influência na formação de pessoal capacitado nessas áreas e foi um exemplo muito bem sucedido de equipe multidisciplinar harmônica de composição internacional. O período 1962-87 foi o período áureo do Departamento de Geoquímica da UFBA.

Continua no próximo capítulo

Sylvio de Queirós Mattoso
Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

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