sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Continuação do Capítulo 2 postado em 8/9/2009 (ver abaixo)

Capítulo 3 - O projeto de pesquisa conduzido pelo Laboratório de Geoquímica – UFBA, no período 1962-1970

3.1 Origem e desenvolvimento de um programa de pesquisa em Prospecção Geoquímica. Caso dos jazimentos de minério de cobre do Nordeste da Bahia (Caraíba, Surubim e outros)


3.1.1 OBJETIVOS
GEOLOGIA É CIÊNCIA e, por isso, consideramos importante (pelo seu caráter pioneiro) divulgar amplamente a metodologia empregada nos estudos geoquímicos para cobre no vale do rio Curaçá, afluente pela margem direita do rio São Francisco, Nordeste da Bahia, em seus vários desdobramentos, caracterizados por uma metodologia científica dentro do modelo “formulação de hipótese de trabalho para cada nível de conhecimento –- trabalho de verificação da hipótese formulada – formulação de novos pressupostos e assim por diante.
Serão apresentados os modelos de raciocínio em cada fase com o objetivo também de contribuir para a divulgação de uma metodologia de interpretação dos resultados, fase importante de todo trabalho nas Geociências. Esse é um modelo. Certamente haverá outros.
São objetivos adicionais: aplicação da metodologia à complementação de mapeamento geológico de superfície em regiões de frequente variação de litologia em regiões de rochas submetidas a metamorfismo regional, que apresentam vários graus e tipos de metamorfismo, com registro de vários tipos de vulcanismo. Em adição as rochas ígneas presente podem ter sido tanto anteriores ao metamorfismo regional, como contemporâneas e até posteriores a esse metamorfismo regional. As rochas ígneas incluem granitos, diabásios e gabros, e possivelmente quimberlitos. A primeira suspeita, quase confirmada, da presença de quimberlitos se deu como resultado de trabalho de prospecção para ilmenita na região de Floresta, Pernambuco, usando como base fotos de satélite com imagem em infra-vermelho (1973-1978).

3.2 PRIMEIRA FASE DO PROJETO: prospecção orientativa
Após a coleta de 1.400 amostras de solo e 9.800 determinações analíticas, abrangendo os sete elementos citados, a primeira fase do trabalho de prospecção orientativa foi concluída sobre o depósito de minério de cobre de Caraíba, Bahia. A presença sistemática de cobalto, níquel e cromo, nos solos sobre o jazimento de Caraíba, mostrou que a mineralização estava associada a rochas máficas e ultramáficas. Esse fato despertou entusiasmo pelo fato de que no Canadá e na África do Sul existiam importantes jazidas de minério de cobre associadas a rochas máficas e ultramáficas. As jazidas de minério de cobre não era privilégio de rochas submetidas à atividade hidrotermal nem de associações com pórfiros, como no Chile, por exemplo.
Por que geoquímica? Por se tratar de uma metodologia de trabalho de bons resultados, e fácil interpretação dos resultados, de baixo custo e de rápida execução cujo sucesso no sul da África e no Canadá estava registrado na literatura geológica.
Por que cobre? Por que não outro metal ou outro tipo de jazida? A resposta a essa indagação encontrava-se no fato de o Brasil importar, naquele período, todo o cobre que consumia. Como o país tinha um programa de expansão de sua rede de produção e distribuição de eletricidade, com ênfase forte em geração de energia hidroelétrica a fim de sustentar um programa contínuo e crescente de industrialização, havia necessidade de expandir a indústria de produção de fios, chapas e outros produtos de cobre. O Brasil, em 1961-64, considerava prioritário produzir energia elétrica e, por isso, o cobre ganhou precedência sobre todos os outros metais não ferrosos que pudessem ter importância no processo de industrialização do país.
Além desses fatores, a prospecção geoquímica em Caraíba mostrou que a jazida é de filiação magmática, com os minerais de cobre inseridos em rochas de natureza máfica (ferro-magnesianas).
Em 1961/62 foi realizado também um levantamento magnetométrico terrestre em Caraíba e adjacências com equipamento portátil da Jallander, cujo resultado revelou forte interferência de expressiva concentração de magnetita nos gnaisses e migmatitos da região. Foi feita também uma amostragem de sedimentos fluviais na drenagem da região de Caraíba e, como os métodos analíticos que estavam sendo usados (via úmida, comparação visual de cor e tonalidade) apresentaram valores baixos, de pequena precisão e variância elevada, os esforços se dirigiram para a amostragem de solos.
Assim, uma vez definido que a prospecção geoquímica funcionava à perfeição no Nordeste (semi-árido) da Bahia, parecia razoável estender o trabalho orientativo bem-sucedido em Caraíba a toda a região vizinha, que tivesse características pedológicas e geológicas análogas às de Caraíba. O sucesso desse programa levaria à extensão do método à prospecção de outros minerais econômicos, metálicos e não metálicos e a outras regiões do Brasil.

3.2.1 Província Geoquímica. Conhecimento que se possuía na época para a proposição do projeto regional e que se admitia seria bem sucedido - Nos anos 1950 e 1960 esboçava-se o conceito de Província Geoquímica, entendida como regiões da crosta, com dimensões variadas, de composição química diferente da composição média da crosta, relacionadas à qual estariam jazidas minerais de metais (cations) em associações geoquímicas próprias. As jazidas seriam resultado da gênese das rochas regionais, em vez de resultado de um processo geológico único e exclusivo, e se nessa região fosse encontrada jazida de um determinado metal, a região (província geoquímica) poderia encerrar outras jazidas semelhantes. Essa idéia, esse pressuposto, deu ao levantamento geoquímico regional um lugar de proeminência na prospecção mineral.
Naquela época, existiam quatro regiões do Brasil onde eram citadas ocorrências de minérios de cobre: Camaquã, no rio Grande do Sul; Vale do Ribeira, em São Paulo; Vale dos Barris na Bahia e Sergipe; e Caraíba, na Bahia. As ocorrências da Bahia pareciam as mais promissoras, por estarem inseridas no que parecia ser um província geoquímica de rochas máficas e ultramáficas pertencentes a um complexo metamórfico, tal como no Canadá e sul da África. Por esse motivo, para o primeiro trabalho de prospecção geoquímica regional no Brasil foi escolhida a região do vale do rio Curaçá.

3.2.2 Algumas suposições ainda a confirmar - Conhecimento fragmentado da geologia fazia supor uma província geoquímica de cobre estendendo-se, na Bahia, desde Vitória da Conquista, ao sul, até Juazeiro, Curaçá e Chorrochó, ao norte. Trabalho usando imagens de satélite como um auxiliar de prospecção geoquímica para titânio na região de Floresta, em Pernambuco, mais tarde, permitiu supor que essa província geoquímica abrangeria outros metais além de cobre e se estenderia até a província pegmatítica da Paraíba e Rio Grande do Norte. Outros metais e minerais pertencem a essa província: rochas de filiação máfica e ultramáfica contendo ilmenita, cromita, e metais como prata e platina foram confirmados em 1973-78 e, pessoalmente, suspeito que em alguns locais dentro dessa faixa citada, de mais de mil quilômetros de comprimento norte-sul, possam ocorrer kimberlitos. Esses quimberlitos, se presente, terão tido sua forma original bastante modificada pelo intenso metamorfismo regional a que foi sujeita toda essa região, a ponto de dar-lhes uma configuração muito alongada, bem diferente dos quimberlitos encontradas na África. Os mapas geológicos mais recentes produzidos pela CBPM, da Bahia, poderão ajudar a responder a algumas dessas indagações.
Na região ferrífera de Minas Gerais (que em memória de Dr. Luciano Jacques de Moraes evito chamar de “Quadrilátero”), a avaliação do potencial de minério de ferro baseou-se exclusivamente em mapa geológico na escala de trabalho de 1:25.000. A aplicação do mesmo método na Bahia, em área pelo menos dez vezes maior que a província ferrífera de Minas Gerais, poderia ser mais demorada e dispendiosa que a aplicação da prospecção geoquímica regional. Além disso, faltavam na ocasião elementos de apoio a um programa dessa natureza.

3.2.3 Hipóteses de trabalho testadas - A prospecção geoquímica, embora tema bastante novo e ainda não usado no país no início dos anos 1960, envolvia trabalho sistemático de amostragem de materiais da crosta e acenava com a possibilidade de:
A - ajudar na identificação e distinção das litologias nos programas de mapeamento geológico, sobretudo por se estar usando amostras de solos residuais;
B – permitir, numa única passagem do geólogo, coletar amostras de material capaz de pelo menos insinuar a presença de elementos químicos (metais) concentrados e acumulados na forma de jazidas minerais;
C – permitir relacionar tipos definidos de rochas e/ou estrutura geológica a processos de mineralização;
D – na amostragem de sedimentos fluviais (sedimentos de corrente) permitir a criação ou a elaboração de uma idéia do tipo e natureza da província ígnea e/ou metamórfica que caracteriza a região;
E – pelo uso de técnicas analíticas rápidas e de baixo custo, pouco exatas mas bastante precisas, seria possível chegar com rapidez a resultados positivos (ou negativos) que permitiriam decidir entre desprezar áreas impróprias ou com baixa probabilidade de conter jazimento econômico, ou aprovar e incorporar áreas favoráveis a concentrações econômicas de minerais com considerável economia de tempo e de recursos;
F – considerando ainda algumas diferenças entre o Canadá e o Brasil, havia grande esperança de êxito quanto à aplicação da prospecção geoquímica regional no Nordeste do Brasil, por estar ausente, na região, cobertura de sedimentos recentes capazes de mascarar a natureza das rochas subjacentes.
G – valores elevados dos metais analisados, ao longo de faixas (linhas) extensas e de pequena largura, podiam indicar vazamento ao longo de linhas de falha que atravessasse corpos máficos mineralizados e em profundidade, incapazes de produzir qualquer expressão superficial, portanto com solos desenvolvidos sobre rochas não máficas. Essa situação ocorreu algumas vezes, como se verificou ao término do trabalho.

(Continua no próximo Capítulo)

Sylvio de Queirós Mattoso
Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

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