sexta-feira, 12 de agosto de 2011

"Tão chamando urubu de meu louro !"


A estrita observância aos procedimentos, protocolos e metodologia científica são fundamentais em geologia, assim como em outros ramos das ciencias da natureza para que os processos e os produtos sejam compreendidos e que outros pesquisadores consigam compreender e repetir nossos resultados. Quando tratamos e descrevemos minerais, rochas, solos, produtos do intemperismo existem regras a seguir e padrões a observar, caso contrário será criada uma enorme confusão. Imagine se um biólogo resolve dar o nome de papagaio a um urubu só porque o pobre do animal mergulhou numa lata de tinta verde. Ou lembrando a velho dito popular "Não é porque nasceram no forno que os gatinhos serão biscoitos. Apesar de um pouco tostados, serão sempre gatos." A esse propósito, lembro da confusão que se criou em torno do termo peperito. Esse termo teria sido usado pela primeira vez por George Poulett Scrope no livro The geology and  the extinct volcanoes of Central France (1858) ao descrever na Gergovia, Limagne, França Central, uma rocha composta por fragmentos angulosos de basalto suportados por uma matriz carbonática. Sublinhei teria sido, pois o pobre do Scrope não usou o termo peperito e sim peperino. Mesmo assim, a confusão já começou com o próprio Scrope pois na página 14 de seu livro, encontramos: " By higher in the series, a mixture in here and there to be observed of the products of neighbouring volcanic eruptions with the calcareous beds. In occasional instances, fragments of basaltic lava, crystals of augite, scoriae and volcanic ashes are scatetered through som of the disturbed limestone beds and assume frequentely a remarkable disposition, the havier and larger fragments accupying the lower part of each stratum, the lighter and smaller stopping in the upper part - suggesting the obvious idea that these fragments after ejection from a volcanic vent, had fallen through the air into the lake at the time the stratum in which they occurr was in the condition of very soft calcareous mud."
E na nota de rodapé da página 19 lemos
"The calcareous peperino of Vicentin (Montecchio Maggiore) exhibits some very similar mixtures of basalt and calcareous spar, which it is difficult to refer decidedly either to conglomerate or the solid lava-rock. In giving the name of peperino (grifo meu) to a volcanic conglomerate consisting of fragments of basalt and scoriae, without pumice or any trachytic matter, united either by simple adhesion or a calcareous or argillaceous cement, I follow the Italian geologists, who have continued this trivial term to a similar rock, which also, like that under consideration, occasionally contains fragments of limestone and primitive rocks, bituminized wood, &c, &c - vide Brocchi, Catalogo ragionato di Rocce, pp. 45, 47.
There exists the strongest analogy between the calcareous peperino (o grifo é meu) of the Limagne and that of the Vicentin, the latter being without doubt the result of volcanic eruptions breaking forth from the bottom of the sea, in which vast masses of calcareous matter (of the Pliocene tertiary formation) lay in a pulpy unconsolidated state; the former of eruptions through a similar mass, the deposit of a freshwater lake. The great variety of rare and beautiful crystalizations to which this violent mixture of calcareous matter with incandescent lava has given rise in both localities, is remarkable. Mesotype, stylbite, arragonite (sic), chalcedony, and numerous forms of calcareous spar, abound in the drusy and vesicular cavities and veins of both these conglomerates."
Se agora, tomarmos a descrição de peperino, rocha que é usada em estatuária desde o Império Romano, e que ocorre na Itália nas Coline Albani e em Soriano del Cimino, próximo de Roma, vemos o claro equívoco cometido por Scrope "Il peperino o piperino è una roccia magmatica, tipica delle zone di Vitorchiano e Soriano nel Cimino, in provincia di Viterbo, e dei Colli Albani, in provincia di Roma, costituita da frammenti di trachite o di tefrite, e contenente leucite in varie percentuali. Il colore classico è il grigio macchiettato. È presente inoltre in varie zone dell'Italia centrale. Viene utilizzata nelle costruzioni tipicamente per la realizzazione di zoccolature, fasce, lastricati, soglie, scale. Il nome peperino deriva dal latino tardo lapis peperinus, derivato di piper (cioè pepe), per la presenza di particelle di biotite di colore nere simili a grani di pepe. Processo di formazione - Il peperino, una ignimbrite di tipo tufo saldato, deriva dalla cementazione di materiali vulcanici dell' antico Vulcano Cimino."
No glossário do Guia de Campo  às Províncias Magmáticas Toscana e Romana do Curso de Vulcanologia da Universidade de Pisa, encontramos as seguintes definições: "Peperino (a) an unconsolidated gray tuff of the Italian Alban Hills, containing crystal fragments of leucite and other minerals; (b) an indurated pyroclastic deposit containing fragments of various suizes and types"

A partir desse equívoco genético e da confusão de termos, todos os produtos de interação de lava com sedimento passaram a receber a denominação de peperito: "Peperite, a term first introduced by Scrope (1858), is a volcaniclastic rock formed by the intermingling of magma and wet sediment. Peperite contains quenched igneous fragments, or domains, mingled with host sediment."  (J.A.Hooten, M.H.Ort (2002) Journal of Volcanology and Geothermal Research 114 (2002) 95).
Atribuir o nome de um tipo de ignimbrito a uma brecha vulcanoclástica deu origem a uma confusão tal, que atualmente o termo peperito tem sido aplicado com conotações genéticas e descritivas e com uma abrangência tão ampla que engloba qualquer rocha gerada pela interação de lava com sedimentos, seja no interior de um conduto ou na superfície, ou então brechas resultantes de erupções hidrovulcânicas ou de fluxos de lava que encontraram sedimentos úmidos em áreas emersas ou sob o oceano. Um verdadeiro "saco de gatos"! Raciocinando por absurdo é como ler os resultados de uma análise química e com base nos teores de SiO2, K2O, Al2O3, e outros óxidos, concluir que o material analisado é um granito quando na verdade é um arcósio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário