terça-feira, 9 de agosto de 2011

Empilhar é preciso, mas use as botas e o martelo

Numa das conversas que tive durante o V Simpósio de Vulcanismo e Ambientes Associados, a discussão foi centrada na adoção da geoquímica como critério principal  para a divisão de unidades de uma província vulcânica, especialmente a Formação Serra Geral. Mesmo com mais de 30 anos de geoquímica "no lombo", a idéia não me parece razoável pois a geoquímica não é um critério facilmente reprodutível no campo, exigindo a coleta e análise de amostras em laboratório (especialmente quando tratamos de razões entre elementos traço ou sub-traço). Foi por isso que desde as primeiras discussões sobre o mapeamento dos 90.000 km² da Formação Serra Geral no Estado do Paraná, sempre consideramos (Arioli e eu) que a geoquímica não seria um critério principal para a proposição da divisão mas sim um critério subsidiário para a caracterização das unidades.
Chegando em Curitiba, consultei a última versão do NORTH AMERICAN STRATIGRAPHIC CODE, North American Commission on Stratigraphic Nomenclature (AAPG Bulletin, v. 89, no. 11 [November 2005], pp. 1547–1591) que o Hardy Jost me enviou.
O Código deixa muito claros os conceitos e a seleção de critérios para a formalização de uma unidade: “O objetivo de um sistema de classificação é o de promover a comunicação inequívoca de uma maneira que não seja restritiva a ponto de inibir o progresso científico. Para minimizar a ambigüidade, o código deve promover o reconhecimento da distinção entre características observáveis ​​(dados reprodutíveis) e inferências ou interpretações. Além disso, deve ser suficientemente flexível para promover o desenvolvimento da ciência. (...) A unidade estratigráfica pode ser definida de várias maneiras. A ênfase etimológica exige que um estrato ou conjunto de camadas adjacentes sejam distinguidos por um ou vários das muitas propriedades que as rochas possuem (ISSC, 1976, p. 13; 1994, p. 13-14). O escopo e procedimentos da classificação estratigráfica, no entanto, sugere uma definição mais ampla: um corpo natural de material rochoso ou rocha distinguidos dos corpos de rocha adjacente, com base em alguma propriedade ou propriedades declaradas. Propriedades comumente usados incluem a composição, textura, conteúdo fossilífero, assinatura magnética ou radioativa, velocidade sísmica e idade. É necessário um cuidado para a definição dos limites de uma unidade de maneira a permitir que outros também o distingam dos materiais adjacentes.”
 Já o Artigo 9° deixa bem claras as condições e fatores que devem ser considerados como critérios auxiliares para caracterizar uma unidade:
Artigo 9° - Caracterização de uma unidade – Na proposta formal de uma unidade ela deve ser descrita e definida tão claramente que qualquer investigador subseqüente possa reconhecê-la de forma inequívoca. Parâmetros distintivos que caracterizem uma unidade podem incluir um ou mais dos seguintes: composição, textura, estruturas primárias, atitudes estruturais, restos biológicos, composição mineral claramente identificável (p.ex., calcita x dolomita), geoquímica, propriedades geofísicas (incluindo assinatura magnética), expressão geomorfológica, relações de inconformidade e idade. Embora todas as características utilizadas para a caracterização da unidade devam ser descritas suficientemente para caracterizá-la, elas são não pertinentes à categoria (como idade e gênese inferidas para unidades litoestratigráficas, ou conteúdo fossilífero para as unidades bioestratigráficas) e não devem fazer parte da definição.”
Aliás, é exatamente por esse motivo que o David Peate, o autor pioneiro que estabeleceu os magmas-tipo da Formação Serra Geral (Pitanga, Paranapanema, Urubici, Ribeira, Esmeralda e Gramado) alertou e enfatizou em sua tese de doutorado e em artigo subseqüente, que os magmas-tipo dessa sub-divisão geoquímica não deveriam ser considerados como unidades de mapeamento pelo simples fato de não serem reconhecíveis em campo. E esse conceito é fundamental: unidade de mapeamento tem que ser reconhecida em campo!  Esse prudente alerta do David Peate faz muito sentido se levarmos em consideração que magmas-tipo diferentes podem gerar produtos muito parecidos se as condições ambientais (p.ex. taxas e fontes de contaminação crustal) forem assemelhadas e por outro lado, o mesmo magma-tipo pode gerar produtos diferentes se as condições ambientais  forem diferentes. Assim a sub-divisão geoquímica proposta pelo David Peate, ou qualquer outra, pode ser utilizada como mais um critério para a caracterização de unidades delimitadas por trabalhos de mapeamento em campo.
Assim, me parece claro que os critérios para a delimitação de unidades no mapeamento geológico de um terreno vulcânico são a arquitetura, a faciologia, a origem (derrames, ignimbritos, depósitos piroclásticos, brechas, entre outros), a forma e as relações de contato dos depósitos. Além do mais, é evidente que a delimitação e subdivisão de unidades é profundamente dependente da quantidade de pontos de controle geológico, o que está relacionado com a da escala do mapeamento.

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