Confesso minha ignorância e nisso tenho a certeza que não estou sozinho. O simpático velhinho da foto ao lado que passou grande parte da vida entre as margens do rio Itajahy-Açu e o Desterro (atual Florianópolis) dividido entre os pesados trabalhos da agricultura, a precisa observação, a meticulosa experimentação científica e a troca de correspondências com Charles Darwin, chamava-se Johann Friedrich Theodor Muller. Nascido em 31 de março de 1822 em Windischholzhausen bei Ehrfurt, Türingen, Fritz era filho e neto de pastores protestantes. Se doutorou em filosofia e completou o curso de medicina mas não recebeu o diploma e a licença para clinicar, pois não concordava com o juramento que deveria proferir, com forte conteúdo religioso e incompatível com suas convicções pessoais. Escandalizou a família ao abjurar a fé cristã, pois a mesma não condizia com suas convicções íntimas. Não conseguiria viver com uma verdade nos lábios e outra no coração. Em 1852, emigroucom a esposa e a filha, como colono para as margens do Itajaí-Açu onde, há dois anos, o Dr. Blumenau havia fundado a colônia alemã que hoje é a cidade de Blumenau. De 1856 a 1867 Fritz lecionou matemática no Liceu do Desterro, na sede da província de Santa Catarina. Foi quando teve contato com "A Origem das Espécies" e tornou-se um obstinado defensor da teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Em 7 de setembro de 1863, Fritz Müller concluiu os doze capítulos do livro "Für Darwin" (Pró Darwin) que foi editado e publicado em Leipzig em 1864.
Na frequente troca de correspondências que manteve com Charles Darwin, ele relatava resultados de experimentos científicos e observações, feitas para matar sua própria curiosidade ou atendendo as solicitações do cientista inglês.
Entre as várias curiosidades que escrevia mescladas a relatos científicos, em uma carta endereçada a Darwin, de 9 de setembro de 1868, Müller contou que "O inverno de 1866 foi incomumente frio e as jacutingas vieram da serra em tão grande número que em poucas semanas foram abatidas no Itajaí aproximadamente 50.000". Dessa maneira, não é de espantar que tenham sobrado poucas...
O seguinte trecho de uma das cartas de Darwin a Muller, mostra a quase intimidade que havia entre os dois, mesmo que nunca tivessessem se encontrado pessoalmente: "Eu lhe agradeço de coração a sua carta. Seus fatos e a discussão sobre a perda dos pelos nas pernas das moscas de Caddis, me parecem a coisa mais importante e interessante que li por um bom tempo. Espero que o senhor não me desaprove, mas enviei sua carta para Nature (...) sua opinião pode ser amplamente extendida, ela será um ganho capital para a doutrina da evolução." Em 27 de novembro de 1880, Charles Darwin escreveu a Hermann Müller, irmão de Fritz Müller, perguntando-lhe quais as perdas que Fritz havia sofrido na enchente que havia ocorrido no vale do Itajaí "(...) muitos de seus livros, microscópio, instrumentos ou outros patrimônios ?" e ofereceu ajuda de 50 ou 100 libras pela "causa científica, de tal forma que a ciência não deveria sofrer, devido à perda de seus bens."
Fritz Müller enviou 79 cartas a Charles Darwin e recebeu 58 em resposta. Nas edições de "The Origin", Fritz Muller foi citado 17 vezes. O livro escrito por seu sobrinho Alfred Möller "Fritz Müller - Werke, Briefe und Leben" consolidou a sua obra, composta de 248 artigos científicos.
Em 21 de maio de 1897em Blumenau , Fritz Müller morreu aos 75 anos. Um grande cientista e especialmente, um homem de sólidos princípios, tão raros atualmente.
Agradeço ao amigo e jornalista Raimundo Caruso pelo belíssimo presente, o livro de Cezar Zillig (1997) Dear Mr. Darwin - a intimidade da correspondência entre Fritz Müller e Charles Darwin. São Paulo. Sky/Anima Com.e Design. 163p.