segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Hg, As e sífilis

Numa manhã de domingo, conversando com meu pai, médico formado na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1947, veio o assunto dos antigos tratamentos para doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a sífilis. Mesmo que esse tema diga muito mais à farmacologia que à exploração geoquímica, me parece interessante abordá-lo.
Desde o final do século XVII, e talvez até antes disso, o tratamento padrão para a sífilis era à base de calomelano, um composto à base de 88% Hg2O e 12 % Cl. Esses tratamentos eram baseados em soluções injetáveis desse composto de alta toxicidade, se prolongavam por semanas com aplicações diárias dessas injeções que provocavam reações terríveis como violentas cólicas hepáticas e crises de vômito. O que mais me impressionou foram as pomadas de Metchinikoff e Roux com 33 gramas de calomelano mais lanolina e vaselina, de cor quase negra, embaladas em latas, que eram usadas para aplicações e fricções nas lesões de pele e também para besuntar a pele dos bebês, de pais portadores de sífilis. Lá pelas décadas de 1930-40 esse tratamento foi sendo gradativamente substituído pelas injeções endovenosas de Arsenox, um composto injetável à base de As. Essas injeções deveriam ser ministradas rapidamente pois o composto "coagulava" dentro da seringa e se a agulha saisse da veia, produzia uma lesão horrível.
Depois, procurando na Intermet, encontrei uma tese de doutorado defendida em 1921 na Faculdade de Medicina do Porto, pelo médico Luis Antonio Corte Real. Nessa tese, há a referência aos gabinetes profiláticos implantados pelo exército americano durante a 1ª Guerra Mundial, ao qual eram obrigados a comparecer todos os soldados. Nesses gabinetes, faziam a aplicação de pomadas de calomelano e uma injeção uretal de Protargol, um antisséptico e germicida, um composto com 8% de Ag soluvel em água. Há também uma descrição do tratamento e reações adversas nos pacientes, bem como reflexões e criticas do Dr. Corte Real sobre as possibilidades de intoxicação e até a morte dos pacientes.
Essa tese "Notas sobre a sífilis" está digitalizada e disponível em (http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/17561/3/197_2_FMP_TD_I_01_P.pdf).
Finalizando, lembro de um LP de vinil com obras de Mozart que tenho na minha coleção, e cuja resenha da contra-capa foi escrita por um médico e que faz um diagnóstico da causa morte do Wolfgang, que teria sido por falência do sistema renal e hepático, provavelmente provocado pelas altas doses de calomelano para o tratamento da sífilis.

Ao final fico imaginando quantos pacientes não morreram do remédio e quantos não ficaram com sequelas permanentes pela intoxicação mercurial. Vale lembrar que o "mal de Minamata" foi relatado somente após a 2ª Guerra Mundial devido aos resíduos ricos em compostos organomercuriais produzidos por uma fábrica de PVC, localizada nas margens da baía de Minamata, no Japão.

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