domingo, 30 de agosto de 2009

Afinal meu caro, qual é a tua anomalia ?

Quase oito meses se passaram desde que a área foi selecionada. Uma boa situação geológica, um modelo metalogenético viável, área livre no controle do DNPM, a amostragem de sedimentos de drenagem foi planejada e bem executada, as amostras foram enviadas ao laboratório e os resultados foram recebidos e inseridos no banco de dados e o controle de qualidade com as duplicatas, replicatas e amostras padrão mostrou que as variações são perfeitamente aceitáveis e dentro dos limites estabelecidos. Enfim, um quadro dos melhores. E a hora da verdade chegou ! O tratamento e a interpretação dos dados geoquímicos para a identificação dos alvos exploratórios.
Quando chegam nesse ponto, várias pessoas já me perguntaram: qual o teor que devo considerar como anômalo ? Não existe uma resposta objetiva para uma pergunta tão vaga, e a única resposta possível é: Depende !

Depende de caracteristicas intrísecas aos dados produzidos e que estão subordinadas à fração granulométrica, quando se usam peneiras na preparação das amostras, ou de densidade, no caso dos concentrados de bateia; do ataque utilizado que pode variar desde um ataque fraco como o HCl a frio, passando por um ataque forte como o HNO3 concentrado e a quente e chegando ao ataque "total" como o HNO3 + H2SO4+HClO4; da técnica instrumental para a determinação, absorção atômica, ICP-AES ou ICP-MS e evidentemente do elemento analisado.

Depende também de fatores extrínsecos aos dados produzidos mas que exercem um controle fundamental sobre os mesmos como geologia, topografia, cobertura vegetal, tipo de solo, pluviosidade, características da rede hidrográfica e ações antrópicas.

Num exercício positivo de imaginação e de "concretização do desejo", vamos considerar que o levantamento sistemático e padronizado para o Brasil já esteja concluído. Esse levantamento, foi executado em cinco anos, por dezenas de equipes de amostradores que seguiram exatamente os mesmos protocolos de coleta, as amostras foram preparadas e analisadas pelo mesmo conjunto de procedimentos e o banco de dados contém o mesmo grupo de elementos. Enfim, um verdadeiro levantamento sistemático e padronizado sempre almejado por tantos geólogos e geoquímicos do Brasil.

Agora, sobre esse quadro, vamos fazer a mesma pergunta: para um certo elemento, qual o teor que deveremos considerar como anômalo ?

Para começarmos a elaborar uma resposta é necessário delimitar no mínimo duas condições.

A primeira é estabelecer o conceito de anomalia. Seriam os valores maiores que a média mais três desvios padrão, ou cerca de 0,1% dos valores ? Seriam os valores maiores que o percentil 95, ou 5% dos valores ? Seriam os valores maiores que a média da população superior num gráfico de probabilidade ? Certamente todos esses valores serão diferentes já que foram selecionados com critérios diferentes.

A segunda condição é: Onde ? Se considerarmos o Brasil teremos uma resposta (Figura 1 abaixo), se considerarmos a região Centro-Oeste teremos outra, se considerarmos o Grupo Bambuí teremos outra, se considerarmos uma área bem reduzida e mineralizada teremos outra, se considerarmos uma área virgem teremos outra e se considerarmos uma área submetida a longa e intensa ação antrópica teremos outra (Figura 2 abaixo). Provavelmente todos os resultados serão muito diferentes, já que a diversidade de fatores geológicos, climáticos, de cobertura vegetal e de ocupação humana são totalmente diversos.





Figura 1 - Estabelecer um critério único para definir anomalias sem levar em conta, por exemplo, a diversidade do fundo geológico da área investigada.




Figura 2 - Estabelecer critérios específicos para definição de anomalias levando em conta, por exemplo, a diversidade do fundo geológico da área investigada.



Por isso, quando alguém me fizer novamente essa pergunta, responderei novamente: Depende !

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Orientar ou não orientar ? Eis a questão !

Alguns geólogos acreditam que a prospecção geoquímica não funciona ! Eu sou obrigado a concordar, mas desde que eles tenham coletado amostras de materiais errados, no local errado, analisando o elemento errado pelo método errado e interpretando os resultados com uma técnica errada.
Não existe nenhuma justificativa razoável para que levantamentos geoquímicos tenham sucesso se for seguido cegamente o procedimento de solicitar ao laboratório que a fração menor que 80# das amostras de sedimento de drenagem seja atacada com água regia e que as determinações sejam feitas por absorção atômica. Depois de recebidos os resultados, com uma grande quantidade de valores menores que o limite de detecção, os mapas serão desenhados com o critério de média, média + 1 desvio padrão, média + 2 desvios padrão e média + 3 desvios padrão. Gostaria que alguém de sã consciência respondesse porque durante tanto tempo esse conjunto de procedimentos se transformou em um dogma sagrado sem o mínimo questionamento ?
Para aguçar a nossa curiosidade podemos elaborar algumas perguntas simples. E se os metais de interesse se concentrarem na fração mais grossa que 80 ou na mais fina que 200 mesh ? E se os elementos de interesse forem extremamente refratários e só liberados por meio de um ataque vigoroso com quatro ácidos fortes combinados ? E se os teores forem tão baixos que apenas o ICP-MS será capaz de detectá-los ?
Essas e outras perguntas podem ser respondidas por meio de um procedimento experimental conhecido por estudo geoquímico orientativo - EGO, planejado para um certo ambiente geológico-fisiográfico e que obrigatoriamente tenha como alvo, uma ocorrência ou depósito razoavelmente conhecido quanto a dimensões, forma e relação com encaixantes. Se existir uma sondagem com testemunhos recuperados, muito melhor ! É evidente que as conclusões obtidas com um EGO realizado na Amazônia não terão a mínima aplicação para o planejamento de um levantamento geoquímico no semi-árido nordestino.
Um EGO deve procurar entender a constituição geoquímica da mineralização, as associações elementares que a caracterizam, os contrastes entre mineralização e as encaixantes estéreis, a forma de dispersão (hidromórfica ou clástica) dos elementos farejadores e dos indicadores da mineralização e a distância ou espaçamento máximo para que as amostras sejam capazes de identificar o sinal geoquímico do alvo estudado.
O segredo de um EGO é muito simples: indicar o conjunto de procedimentos capaz de maximizar os contrastes entre a área mineralizada e a estéril. Para isso, ao final de um EGO, devem ficar definidos o material a ser amostrado, a forma de coleta, a forma de preparação, a melhor fração, o ataque químico e a técnica analítica e a técnica de interpretação.
Porém, um EGO tem dois problemas. O primeiro é que ele exige uma ocorrência e uma situação climática, topográfica, pedológica e de cobertura vegetal semelhante à dos depósitos procurados o que, reconheço não é fácil de encontrar. O segundo é seu custo, já que cada amostra coletada pode gerar algumas sub-amostras que deverão ser todas submetidas a vários procedimentos analíticos. Isso produzirá uma grande quantidade de resultados que deverão ser devidamente manipulados e interpretados, com técnicas numéricas, gráficas e cartográficas.
Por outro lado, se um EGO pode ter um custo relativamente elevado e apresenta algumas dificuldades de execução, ele dará subsídios preciosos para os ajustes de método de, por exemplo um grande levantamento regional que, se for mal planejado, poderá ser totalmente ineficaz, com desgaste de equipe e desperdício de recursos e de tempo.
Um EGO bem planejado e executado pode representar um enorme avanço tecnológico para uma companhia e um trunfo em relação às concorrentes.

Livro de Prospecção Geoquímica


Recebi uma mensagem do Ernesto von Sperling da CPRM de Belo Horizonte comunicando que ainda existem os últimos 50 exemplares do livro Prospecção geoquímica - princípios técnicas e métodos, que foi lançado em 1998 e eu pensava que estivesse esgotado.
Como eu não recebo nenhum $$, me sinto desimpedido para postar essa breve notícia

Os interessados devem escrever uma mensagem para seus@rj.cprm.gov.br o Serviço de Atendimento ao Usuário da Biblioteca Central da CPRM. O pessoal de lá responderá informando sobre o custo, forma de pagamento e envio via correios.

domingo, 23 de agosto de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Pedi ao Prof. Manuel Serrano Pinto, da Universidade do Aveiro, Portugal, presença constante em muitos eventos de geoquímica no Brasil, que enviasse algumas linhas sobre algum fato de sua história na exploração geoquímica em Portugal e Moçambique. Ele enviou esse resumo de sua formação em prospecção geoquímica e do encontro com o legendário John Webb responsável pelo não menos famoso centro de pesquisas em prospecção geoquímica do Imperial College. Ao caro Manuel, agradeço em nome dos leitores desse blog.

Em Moçambique, os levantamentos geoquímicos de reconhecimento usando sedimentos de corrente (“stream sediments”) foram iniciados de modo sistemático por volta de 1969, depois de se ter ganho alguma experiência de colecta de amostras e da montagem de um laboratório de espectrometria de absorção atómica nos Serviços de Geologia e Minas. Os trabalhos de campo eram feitos em simultâneo com os de mapeamento geológico, cabendo àqueles Serviços ambos os tipos de levantamento.
Antecedendo o lançamento dos levantamentos geoquímicos, fui enviado a Inglaterra em 1968 para frequentar um mestrado em geoquímica na Universidade de Leeds e para frequentar na Universidade de Leicester, durante um trimestre, um outro mestrado, este em prospecção, que tinha uma parte de geoquímica e outra de geofísica.
Aproveitando a estadia em Inglaterra, fiz uma visita ao Imperial College onde o Prof. John Webb trabalhava. Tive então a oportunidade de o conhecer, tal como ao Dr. Ian Nicholl e outros membros do célebre grupo dele.
O Prof. Webb foi muito amável e convidou todos para uma bebida num “pub”. Sabendo que eu era português, confessou: «Ah, Portugal! I have been there working for some time in a mining district in the south when I was young. But I never learned how to speak Portuguese except these words that I still remember: ‘estaçao’, to take the train to Lisbon on weekends, and ‘brandy Borges cinco estrelas’ which was really good!»

Aveiro, 23 de agosto/2009
Manoel Serrano Pinto

Quanto mais perto melhor ? Nem sempre !

Para entender qualquer fenômeno e para reconhecer um problema, é fundamental ter uma visão geral dos parâmetros relevantes antes de selecionar as feições específicas. A exploração mineral e em particular a exploração geoquímica não são exceções desse princípio. Isso porque os processos mineralizadores são fenômenos essencialmente geoquímicos que podem ser descritos por uma associação de elementos que definem sua assinatura geoquímica. Um conjunto de depósitos ou ocorrências produzidos por um mesmo processo mineralizador podem se agrupar de forma a caracterizar regiões conhecidas como províncias geoquímicas. Assim, esse conjunto de alvos exploratórios que se refletem como áreas geoquimicamente anômalas ou com teores elevados estão interconectados por uma elevação regional dos teores dos elementos maiores, menores, traço e ultra-traço componentes da assinatura geoquímica geral do processo mineralizador. Um levantamento geoquímico regional de baixa densidade amostral será capaz de identificar essa elevação do fundo geoquímico regional abrindo caminho para investigaões de maior detalhe e densidade amostral capazes de capturar o sinal geoquímico dos depósitos individuais.



Figura 1 - Os halos de dispersão de depósitos de grande e pequeno porte ou então de um depósito aflorante e um sub aflorante. (Figura de Bonham-Carter, 1996)



Assim, como regra geral, quanto maior for o alvo menor pode ser a densidade amostral, porém a dura contrapartida é que muito maior deverá ser a qualidade das técnicas amostrais e mais acurados os procedimentos analíticos especialmente para os elementos ultra-traço como Au, Pt, Pd, As, Sb, Bi, Te e Hg, com teores expressos em ppb ou ppt.Esse conjunto de caracteristicas mostram que as feições geoquímicas na exploração mineral são claramente padrões fractais, formas que se reproduzem independentemente da escala de observação ou de representação, ou seja “semelhantes a si mesmas” (self-like).

Figura 2 - A expressão fractal de feições. Bolviken et al (1992)

Na Grã- Bretanha, nos mapas elaborados com densidades amostrais cada vez menores, ou melhor, com espaçamentos cada vez mais rarefeitos, as feições regionais de grande porte que envolvem grupos de alvos exploratórios localizados permanecem inalteradas.

Figura 3 - Simulações de rarefação amostral a partir de um levantamento geoquímico de sedimentos de drenagem de alta densidade (acima a esquerda). Fordyce et al apud Darnley (1995)

Na Finlândia, um país com cerca de 400.000 km2, as feições geoquímicas se mantêm quando são comparados os mapas elaborados com 80.000 amostras e 1.000 amostras

Figura 4 - Mapas geoquímicos do Cu na Finlândia, elaborados com 80.000 amostras (à esquerda) e com 1.000 amostras (à direita).

Numa pesquisa comparativa entre técnicas analíticas tradicionais com não convenconais na Província de Shandong, China, foi demonstrada a existência de feições geoquímicas de grande porte como a linha de contorno de 2 ppb de ouro solúvel em água envolvendo depósitos auríferos de grande porte.

Figura 5 - A linha de contorno de 2 ppb Au delimita uma província geoquímica regional que engloba diversos depósitos auríferos e minas da Provincia de Shandong. Wang et al (1997)

No Paraná, o mapa geoquímico do Au elaborado com apenas 39 amostras compostas a psrtir de 696 amostras de sedimentos de drenagem cobrindo todo o Estado do Paraná, os resultados de um levantamento de baixa fazem uma delimitação perfeita (a mancha vermelha no centro leste do mapa) da região próxima de Curitiba onde são conhecidas diversas pequenas ocorrências de ouro, a antiga mina Leão Junior e está em operação a mina de ouro do Povinho de São João, município de Campo Largo. Também fica bem identificada a região litorânea, no extremo leste do mapa, onde existem diversas ocorrências e depósitos de ouro e onde, em 1565, ocorreu o primeiro garimpo de ouro do Brasil.

Figura 6 - Mapa geoquímico do Au do levantamento de baixa densidade do Paraná (Licht, 2001).
Foi com esse objetivo que o Projeto IGCP-259, depois IGCP-360, definiu um grid de 1º 30', padrão para os levantamentos geoquímicos de baixa densidade em todo mundo. Esses padrões foram usados pelo FOREGS - Forum de Serviços Geológicos da Europa para a elaboração do Atlas Geoquímico da Europa (veja na lista de links ao lado) e pelo Serviço Geológico do Brasil na região Nordeste (veja a matéria postada anteriormente).


Figura 7 - Grid de 1º 30' para o Brasil e para a China, segundo o padrão do IGCP-360 visando a integração de levantamentos geoquímicos e a elaboração de uma Carta Geoquímica do Mundo (CPRM e IGCP-259)

Os diversos levantamentos geoquímicos realizados na China mostram que os limites das províncias geoquímicas são preservados mesmo nos mapas de densidade ultra baixa, com bacias hidrográficas de até 10.000 km2.

Figura 8 - Mapa geoquímico da Pt no solo de 5 a 25 cm de profundidade da China, segundo o padrão do IGCP-360 visando a integração de levantamentos geoquímicos e a elaboração de uma Carta Geoquímica do Mundo (Darnley, 1995).

Assim, fica clara a idéia de que levantamentos de baixa densidade amostral são fundamentais para dar suporte às decisões de seleção de áreas de interesse para a indústria mineral, associados com os levantamentos geofísicos e os levantamentos geológicos.

Para saber mais sobre esse assunto:
1. Bolviken, B., Stokke, P. R., Feder, J., and Jossang, T., 1992, The fractal nature of geochemical landscapes: J. Geochem. Explor., v. 43, p. 91–109
2. Bonham-Carter G.F.(1996).Geographic Information Systems for geoscientists. Ontario: Pergamon, 400 p.
3. Darnley, A.G. 1995. A Global Geochemical Database for Environmental and Resource Management. Pris. UNESCO. Final Report of IGCP Project 259
4. Edén, P., Björklund,A.. 1994. Ultra-low density sampling of overbank sediment in FennoscandiaJournal of Geochemical Exploration, v51, n 3, 265-289
5. Licht,O.A.B., Plawiak, R.B. (2005) Geoquímica de Solo do Estado do Paraná. Curitiba. Mineropar. 2 vol.
6. Licht, O.A.B. 2001. A geoquímica multielementar na gestão ambiental (...). (Tese de Doutorado). Curitiba. UFPR. 2 vol.
7. Xueqiu Wang, Zhizhong Cheng, Yinxiu Lu, Li Xu and Xuejing Xie. (1997) Nanoscale metals in Earthgas and mobile forms of metals in overburden in wide-spaced regional exploration for giant deposits in overburden terrains. Journal of Geochemical Exploration v58, n1, 63-72

sábado, 22 de agosto de 2009

Um mercenário alemão nos garimpos de Lavras do Sul

Vista de Porto Alegre em 1852 (aquarela de H.R.Wendroth)


Há alguns anos, recebi de presente de meus pais um portfolio editado pelo Governo do Rio Grande do Sul com a coleção de 46 aquarelas de Hermann Rudolph Wendroth. Essas obras têm grande significado para os gauchos pois retratam usos, costumes e paisagens urbanas e da campanha gaucha como a que retrata o boi, o cavalo, a carreta, o gaucho e o escravo e algumas cenas satíricas da década de 1850.

Beldades brasileiras, Caçada do boi, Viagem no Brasil (aquarela de H.R.Wendroth)


Esse alemão, imigrou para o Brasil como mercenário contratado pelo governo imperial brasileiro para a Campanha contra Rosas, o caudilho argentino da ocasião. Chegou no Rio de Janeiro pelo navio "Hamburg" e pouco tempo depois foi enviado para o Rio Grande do Sul com seu batalhão. O álbum contém um mapa com o itinerário da Legião Alemã que serviu no RGS e uma carta da Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul de 1856, com detalhes da hidrografia e orografia.
Wendroth percorreu toda a Província e em certo momento esteve em Lavras do Sul, onde permaneceu algum tempo garimpando ouro.
Minha residência em Lavras (minas de ouro) (aquarela de H.R.Wendroth)

E aí está a maior surpresa da coleção pois durante sua permanência no garimpo de ouro de Lavras do Sul, ele desenhou belos croquis e secções com detalhes interessantes da mineralização e dos granitos encaixantes.
É também muito interessante a observação com detalhes que ele fez da porção superficial dos veios de quartzo, fragmentando-se e decompondo-se sob o efeito do intemperismo.


Perfil das minas de ouro em Lavras (aquarela de H.R. Wendroth).




A legenda, identifica detalhes dos veios de quartzo com e sem ouro, os tipos de granito com e sem veios de quartzo aurífero.

Legenda do Perfil Nº 1, Detalhe da Figura nº 141 (aquarela de H.R. Wendroth)






Após sua morte que aconteceu aproximadamente em 1860 em Porto Alegre ou Buenos Aires, o álbum de aquarelas foi parar nas mãos de F.A. Buhlmann que o ofereceu à D. Pedro II deixando à mercê da magnanimidade do monarca o estabelecimento do preço. Não se sabe o valor pago, mas D.Pedro II comprou-o e o album foi dado à Princesa D. Isabel como presente. Posteriormente, esse livro branco encadernado e com lombada em couro foi herdado pelo Príncipe D. Gastão de Orleans e Bragança e hoje faz parte do Arquivo da Casa Imperial do Brasil em Petrópolis.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fazer a escolha (cor)reta

A fase final de um levantamento geoquímico que abrange o tratamento dos dados e a elaboração do relatório, inclui a produção dos mapas geoquímicos das variáveis analíticas isoladas e mesmo de suas combinações que foram obtidas por técnicas numéricas de correlação. Há diversas maneiras de representar dados geoquímicos, desde os simples mas eficientes mapas de símbolos graduados na forma, na dimensão e na cor até as elaboradas superfícies geoquímicas que podem ser observadas sob as mais variadas vistas e perspectivas.
Independentemente da maneira que os dados geoquímicos serão representados, a escolha correta da quantidade e da amplitude dos intervalos, da forma e dimensão dos símbolos e da gradação dos matizes para a representação dos valores são fundamentais para que o leitor tenha uma correta percepção das variações do fundo geoquímico, da presença de estruturas geoquímicas coincidentes ou não com a estruturação geológica e da presença de alvos indicados para estudos de detalhe.
Não vale a pena perder tempo comentando e criticando a divisão de dados geoquímicos em uma escala de média mais um, dois e três desvios padrão, técnica aplicável em casos muito especiais, quando os dados seguem uma distribuição normal, o que é raríssimo em exploração geoquímica. Gosto muito de trabalhar com uma escala de percentis pela fidelidade ao conjunto de dados e pela grande flexibilidade na representação. Essa técnica foi adotada pelos serviços geológicos da Grâ Bretanha e da Finlândia na edição dos seus atlas geoquímicos e atualmente adotada por diversos serviços geológicos do mundo. Observe no mapa abaixo que mostra a distribuição do Cr em amostras de sedimentos de drenagem na região ocidental da Escócia, como é clara a estruturação geoquímica SW-NE, que reflete o quimismo do fundo geológico.


Na produção dos mapas e dos atlas geoquímicos do Paraná, também usamos essa técnica. Observe abaixo no mapa geoquimico do Cr em sedimentos de drenagem, no extremo noroeste o baixo geoquímico devido às rochas sedimentares cretácicas dos grupos Caiuá e Bauru, logo surge uma fortíssima elevação dos teores de Cr associados com a porção central do sistema magmático da Bacia do Paraná, pouco mais a leste uma nova depressão dos teores coincide com as rochas sedimentares paleozóicas da Bacia do Paraná e finalmente no extremo leste, uma suave elevação produzida pelas rochas metamórficas de graus e quimismo variados do Escudo. Intuitivamente, as cores quentes em tons amarelos até vermelhos sugerem a elevação dos teores e os tons frios azuis, cinza e preto, sugerem teores baixos.


Porém, por melhor que seja a solução adotada, sempre teremos problemas e limitações. Para começo de conversa, por conceito e rigor estatístico, só podemos usar uma escala em percentis se o conjunto de dados tiver no mínimo 100 valores. Isso parece lógico, não é mesmo ? Se houver menos que isso, as classes começam a ficar vazias por falta de valores, comprometendo a representação. Podem também aparecer classes vazias quando houver grande quantidade de valores semelhantes, fazendo que os limites de uma ou mais classes sejam idênticos. Mas mesmo com essas limitações e restrições continuo preferindo a escala de percentis.
Quando me interessa salientar os valores elevados no agrupamento de bacias em levantamentos geoquímicos de água ou sedimentos de drenagem ou lineamentos e estruturas geoquímicas em uma malha regular de amostragem de solos, seleciono classes com limites amplos para os baixos teores e com limites estreitos para os valores elevados como mostra essa figura ao lado. Porém, nada disso seria efetivo se não fosse escolhida uma escala de símbolos e de matizes adequada para enfatizar as áreas de interesse. Por exemplo, símbolos de tamanho crescente e com preenchimento gradando de cores frias como preto e azul escuro para os valores baixos até cores quentes como amarelo, laranja e vermelho para os valores altos. Os tons de azul e verde ficam para os valores intermediários.
O caso mais espetacular de como um bom tratamento gráfico é fundamental para a valorização e para uma correta apresentação dos resultados é o levantamento de reconhecimento de solos dos EUA (veja o mapa abaixo).


Concebido e realizado em 1984 por Shacklette e Boerngen, dois pesquisadores do USGS - United States Geological Survey, esse trabalho nunca recebeu toda atenção que merecia por dois motivos. O primeiro era a baixa densidade amostral, já que foram coletadas apenas 1314 amostras ao longo da malha rodoviária do país. O segundo deveu-se à apresentação gráfica de pequeno impacto visual, pois pequenos símbolos preenchidos com tons de cinza não foram capazes de entusiasmar ninguém.


No entanto, quando em 1994 Nils Gustavsson do Serviço Geológico da Finlândia reprocessou os dados e reapresentou os mapas geoquímicos (veja o mapa acima) com novas técnicas gráficas, foi possível entender qual tinha sido o objetivo dos autores desse gigantesco e admirável trabalho: delimitar províncias geoquímicas e caracterizar níveis de referência para dezenas de elementos químicos, possibilitando a caracterização das variações do fundo geoquímico devidas ao ambiente natural e às alterações superimpostas pela ação do homem.


A espantosa fidelidade do mapa final produzido com base em apenas 1314 amostras de solo ao ser comparado com o mapa de Duval (1990) (veja o mapa acima), resultante da integração de diversos aerolevantamentos gamaespectrométricos dos EUA que coletaram milhões de pontos de medida, mostra a solidez dos resultados de levantamentos geoquímicos de baixa densidade para o reconhecimento de grandes territórios.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

1995 - Reunião do IGCP 360


Foto de Carlos A. C. Lins

Era setembro de 1995 e esse grupo de pesquisadores estava a caminho da Ilha Seili no arquipélago do sul da Finlândia para a reunião do Comitê do IGCP-360 Global Geochemical Baselines: Jane Plant e Fiona Fordyce (Grâ Bretanha), Alf Bjorklund, Reijo Salminen e Peter Eden (Finlândia), Arthur Darnley (Canada), Pavel Koval e Eduard Burenkov (Russia), Xie Xuejing (China), Miroslav Duris (Rep.Checa), Carlos Lins e Otavio Licht (Brasil) e outros. Nessa reunião foram estabelecidas as bases para a integração dos serviços geológicos da Europa na execução do levantamento geoquímico do continente e dos protocolos de campo e de laboratório para a realização dos levantamentos geoquímicos em qualquer país ou região do mundo de maneira padronizada ajustada aos propósitos do Projeto.
(Veja abaixo o texto postado em 27/7/2009, sobre levantamentos geoquímicos de reconhecimento regional e os links ao lado para Atlas Geoquímicos)


Entardecer na Ilha Seili. Foto Otavio Licht

domingo, 16 de agosto de 2009

Livro de Prospecção Geoquímica


Esse livro está disponível para venda no site http://www.sbgq.org.br/publicacoes/progeo.php.

Teve como editores Otavio A. B. Licht, Carlos Bandeira de Mello e Cassio Roberto da Silva. Suas 780 páginas contêm os seguintes capítulos com os respectivos autores:


1 PRIMÓRDIOS DA PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Otavio Augusto Boni Licht, Paulo Cesar de Azevedo Branco
2 PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Sylvio de Queirós Mattoso, Milton Luiz Laquintinie Formoso
3 ASSINATURA GEOQUÍMICA DE DEPÓSITOS MINERAIS METÁLICOS E NÃO METÁLICOS - Hardy Jost, José Carlos Frantz, Zara G. Lindenmayer
4 GEOQUÍMICA DE RESERVATÓRIOS - Mário Duncan Rangel, Joelma Pimentel Lopes, Érica Tavares de Morais e Helen G. M. de Aguiar
5 INTRODUÇÃO AO INTEMPERISMO LATERÍTICO E À LATERITIZAÇÃO - Marcondes Lima da Costa
6 BARREIRAS GEOQUÍMICAS E SUA IMPORTÂNCIA EM PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Nicolai Mirlean, Ari Roisenberg
7 GEOQUÍMICA ANALÍTICA - Jacinta Enzweiler, Maria Alice Ibañez Duarte
8 TÉCNICAS DE PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Maurício Moacyr Ramos, Idio Lopes Jr., Gilberto Jose Machado
9 HIDROGEOQUÍMICA E APLICAÇÕES EM PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - André Virmond Lima Bittencourt, Décio Tubbs Filho
10 MÉTODOS BIOLÓGICOS DE PROSPECÇÃO MINERAL - Maria do Carmo Lima e Cunha
11 CARACTERIZAÇÃO GEOQUÍMICA DE GASES NATURAIS E APLICAÇÕES NA PROSPECÇÃO DE PETRÓLEO - Eugenio Vaz dos Santos Neto
12 INTEGRAÇÃO DE MAPAS MULTI-TEMÁTICOS EM EXPLORAÇÃO MINERAL UTILIZANDO SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS: APLICAÇÕES COM DADOS DE PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Paulo César de Azevedo Branco, Patrícia Duringer Jacques, Mônica Mazzini Perrota
13 MAPEAMENTO GEOQUÍMICO DE BAIXA DENSIDADE E APLICAÇÕES EM PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Carlos Alberto Cavalcanti Lins , Otavio Augusto Boni Licht
14 GEOQUÍMICA ISOTÓPICA E APLICAÇÕES EM PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Valderez P. Ferreira, Colombo C.G. Tassinari, Alcides N. Sial, Jorge Bittencurt, Marly Babinski
15 PRINCIPAIS METODOLOGIAS DE PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA DE HIDROCARBONETOS EM SUPERFÍCIE - Carlos Siqueira Bandeira de Mello, João Batista de Lellis Françolin, Dennis James Miller, Ronaldo do Carmo Silva Gonçalves, Ramsés Capilla, Joelma Pimentel Lopes, Luciene Soares Jesuíno, Luis Carlos da Silva Freitas, Jair Rodrigues de Salles Soares Filho
16 SENSORIAMENTO REMOTO E GEOQUÍMICA DE SUPERFÍCIE NO AUXÍLIO À PESQUISA PETROLÍFERA: FUNDAMENTOS E EXEMPLOS NO BRASIL - Raimundo Almeida Filho, Fernando Pellon de Miranda
17 A REGIONALIZAÇÃO E A CARTOGRAFIA DOS DADOS GEOQUÍMICOS - Paulo M. Barbosa Landim, Jorge Kazuo Yamamoto, Arlei Benedito Macedo
18 REPRESENTATIVIDADE DA AMOSTRAGEM NA PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Edir Edemir Arioli, José Leonardo Silva Andriotti
19 ESTATÍSTICAS UNI E BIVARIADAS APLICADAS À PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - Sergio João Frizzo, Otavio Augusto Boni Licht
20 METODOLOGIA ESTATÍSTICA MULTIVARIADA EM GEOQUÍMICA - Paulo M. Barbosa Landim, Carlos Siqueira Bandeira de Mello, Ana Cristina da Silva Serra, Arlei Benedito Macedo
21 CONTROLE DE QUALIDADE EM PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA - José Leonardo Silva Andriotti
22 ESTUDOS DE CASOS DE PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA
- PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA NA REGIÃO NORTE - Rômulo Simões Angélica, Marcondes Lima da Costa, Eric Santos Araújo, João Henrique Larizzatti
- PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA NA REGIÃO CENTRO-OESTE - Eric Santos Araújo
- PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA NA REGIÃO NORDESTE - Carlos Alberto Cavalcanti Lins
- A HETEROGENEIDADE GRANULOMÉTRICA E GEOQUÍMICA DA FRAÇÃO MENOR QUE 0,177 MM (MENOR QUE 80 MESH): IMPLICAÇÕES NA INTERPRETAÇÃO - Germano Melo Júnior
- PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA NAS REGIÕES SUDESTE E SUL - Idio Lopes Jr.
A publicação dessa obra só foi possível pelo apoio e patrocínio das seguintes organizações: ADIMB, SGS-GEOSOL, RioTinto, AngloAmerican, Vale, BHPBilliton, Votorantim Metais, Petrobras, CPRM.
A receita obtida com a venda vai para a Sociedade Brasileira de Geoquímica - SBGq.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Apenas...

Essa é a primeira pequena prosa do mais que grande, do enorme Mário Quintana. Depois, com calma, vou postando outras.

Aula inaugural de uma pequena escola do interior. Os alunos, endomingados como requeria a ocasião. O professor, grave, de preto, voz cava. Pelo que bem se vê que a aula era de Português. E eis que no final, tão ansiado pela gente miúda como pela gente grande, ele tossiu, mudou de tom e disse:
- Atenção, meninos ! para gravarem melhor a matéria exposta, copiem o esquema que vou traçar no quadro-negro.
Perpassa pela classe um frio de pânico. Esquema ?! Meu Deus, que diabo seria aquilo ?
Mas o professor, que além de autodidata, era também humano, farejou a angústia daquelas alminhas e esclareceu então, com um esgar bondoso:
- É uma sinopse, meus filhos, apenas uma sinopse...

sábado, 8 de agosto de 2009

Vulcões e a imigração alemã

Desde que comecei a me interessar pelo tema da imigração e da colonização alemã no Rio Grande do Sul, me intrigaram os motivos que levaram tão grande número de pessoas a abandonar suas propriedades, tradições, ligações familiares e tomar a drástica decisão de emigrar para os confins do Império do Brasil no início do século XVIII.
Diversos autores conceituados e respeitados que pesquisaram e escreveram sobre a imigração alemã no Rio Grande do Sul, como Jean Roche, Carlos Oberacker Jr., Aurélio Porto e Carlos Hunsche, associaram esse grande movimento migratório às dificuldades econômicas que atravessavam os países e estados europeus ao final das Guerras Napoleônicas. A derrota francesa em Waterloo havia acontecido em 18 de junho de 1815 e diversas revoltas estavam ocorrendo na França, então sob o reinado de Luis XVIII. Dificuldades imensas na agricultura e na pecuária com colheitas irrisórias, baixa produção de leite e de nascimento de bezerros, propagaram ondas de fome, principalmente nos territórios que hoje constituem a Alemanha, Suíça e França. As dificuldades eram imensas e intensas a ponto de afetar a sobrevivência de grande parcela da população, rural e urbana.
No que diz respeito à migração em direção ao Brasil, além dos autores citados, também Juvêncio Lemos enfatiza o interesse e as ações de Dom Pedro para constituir um Corpo de Estrangeiros no Exército Imperial Brasileiro. Logo após a Proclamação da Independência em 1822, sentindo grande insegurança quanto à manutenção da autonomia do Império do Brasil, visto as tropas serem majoritariamente portuguesas, o Imperador encarregou o major austríaco, Georg Anton Schäffer, de viajar para a Europa e contratar mercenários alemães e irlandeses. A ação de Schäffer, mesmo dificultada pelos tratados assinados após a derrota dos exércitos franceses e pelas tentativas de unificação dos estados alemães, redundou na contratação de soldados avulsos ou de chefes de família (cerca de 3.000 indivíduos), famílias de colonos (cerca de 4.500 pessoas), que totalizaram cerca de 7.500 imigrantes no período compreendido entre 1824 e 1830.


A chegada da 1ª leva imigrantes a Sao Leopoldo, RS em 18/7/1824. Tela de Ernst Zeuner. Acervo Museu Visconde de São Leopoldo

Novamente as causas políticas salientam-se no estabelecimento da justificativa para o fenômeno da imigração alemã para o Brasil. Sob uma ótica atual, todas as análises e os diagnósticos sociológicos, políticos e econômicos feitos pelos diversos autores citados, estão corretas no efeito, porém não consideraram uma causa natural que contribuiu decisivamente para que essa importante movimentação populacional ocorresse. Seria uma injustiça considerar que esses pesquisadores tenham cometido um erro, já que uma nova hipótese está sendo atualmente estabelecida a partir de fatos e dados que estão sendo coligidos e interpretados por geólogos, contribuindo para caracterizar a influência de uma causa natural sobre esse evento migratório.
O fato é que um conjunto de violentos fenômenos naturais ocorridos poucos anos antes do início da emigração, produziu efeitos catastróficos que em 1816 atingiram todo o Hemisfério Norte, especialmente a Europa Central, e concorreram de maneira decisiva para que um grupo tão numeroso de habitantes de uma região tão extensa, tomasse a decisão de abandonar sua vida e buscar novos horizontes.
Mas afinal, que fenômenos naturais foram esses que participaram de tão exótica combinação com outros de natureza política, bélica e social?
Ocorre que em 1812, na ilha de Martinica, os vulcões Soufriére e St. Vincent entraram em erupção. Já em 1814, do outro lado do mundo, foi a vez dos vulcões Mayon e Luzon, localizados nas Filipinas, e finalmente em 10 de abril de 1815, também na mesma região, na ilha Sumbawa nas Filipinas, o vulcão Tambora começou um intenso período de atividade. Parece muito estranho que eventos vulcânicos tão espaçados no tempo e distantes entre si, possam ter exercido influência decisiva sobre um fenômeno social tão importante que ocorreu na Europa.
Estranho, mas perfeitamente plausível, pois apenas a erupção do Tambora, considerada pelos geólogos e vulcanólogos como a mais violenta erupção dos últimos 10.000 anos, lançou à atmosfera entre 150 e 180 quilômetros cúbicos de gases e cinza. Para que o leitor tenha noção mais concreta desse volume, façamos uma analogia com o estádio do Maracanã. Se ele fosse completamente cheio com cinza e gases vulcânicos, conteria apenas 0,0029 quilômetros cúbicos. Desse modo, 55.000 Maracanãs poderiam ser completamente cheios com as cinzas e gases emitidos em um único evento, qual seja a erupção do vulcão Tambora. Há estimativas de que cerca de 117.000 pessoas morreram em decorrência dos efeitos diretos do evento vulcânico, tais como asfixia pelos gases, vaporização dos corpos pela lava, soterramento por nuvens ardentes (poeira e gases com altíssimas temperaturas) ou afogamento pelo tsunami produzido pela erupção. Uma camada de 30 centímetros de cinza vulcânica cobriu o mar a dezenas de quilômetros do aparelho vulcânico de Tambora. Uma coluna de cinza e gases, principalmente dióxido de enxofre (SO2), alcançou rapidamente 50 quilômetros de altitude. Em poucas semanas, uma espessa camada de cinzas e gases envolveu o planeta impedindo a entrada da radiação solar e alterando de forma radical o clima, especialmente no Hemisfério Norte, tanto na Europa quanto na América do Norte.
Para melhor entendermos a magnitude desse evento vulcânico, podemos lançar mão das estimativas feitas a partir de um evento recente e que foi cerca de 12 vezes menor que o do Tambora, e com o qual o leitor provavelmente conviveu.



Refiro-me à erupção do vulcão Pinatubo (foto acima) também localizado nas Filipinas. Em apenas três dias, a erupção iniciada em 12 de junho de 1991, foi responsável por cerca de 10quilômetros cúbicos de magma, cinza e gases, estes compostos por 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre (SO2). Estima-se que além desse gás tóxico, esses materiais continham 2 milhões de toneladas de zinco, 1 milhão de toneladas de cobre, 100 mil toneladas de chumbo, 300 mil toneladas de níquel, 550 mil toneladas de cromo, 800 toneladas de mercúrio e 5,5 toneladas de cádmio, além de quantidades menores de outras dezenas de elementos e compostos químicos orgânicos e inorgânicos. Os efeitos dessa única erupção produziram uma redução de 0,5ºC na temperatura da atmosfera terrestre.
Não existem estimativas cientificamente aceitáveis sobre as quantidades de elementos e compostos químicos lançados à atmosfera pelo conjunto das erupções do Soufriére, St. Vincent, Mayon, Luzon e Tambora, mas os dados meteorológicos da época mostram uma redução de 4,5ºC para a temperatura global. Os efeitos dessa seqüência de eventos vulcânicos foram sentidos com maior intensidade em todo Hemisfério Norte.
Com base em registros históricos, esses efeitos podem ser resumidos da seguinte maneira:
Na Irlanda, choveu durante 142 dias do verão entre maio a setembro. Na Inglaterra, durante todo o verão, a temperatura média foi de 13,37ºC. Os fracassos da colheita foram gerais, devido à baixa temperatura e à chuva persistente. O preço da aveia subiu de 12 para 92 centavos por alqueire (cerca de 900%). Na Suíça, o governo declarou emergência nacional, e as importações de cereais da Rússia foram interceptadas na fronteira por cidadãos famintos. A pena por roubo de comida era a decapitação sumária. Na França multidões de famintos vagavam pelos campos e cidades. Na Alemanha os preços dos cereais subiram cerca de 300%.
No período entre 1816 e 1819, uma epidemia de tifo ocorreu na Europa e na costa do Mediterrâneo. Em toda a Europa, estima-se que pelo menos 200.000 pessoas morreram de fome, de frio e da epidemia de tifo.
Nesse cenário apocalíptico de devastação e de caos social, a possibilidade de emigrar para as Américas se constituía quase na única chance, ou melhor, na certeza de uma vida melhor para milhares de habitantes da Europa Central. Se a migração em direção ao Brasil no período de 1824 – 1830 alcançou cerca de 8.000 pessoas, estima-se que os Estados Unidos receberam um contingente de cerca de 20.000 alemães e irlandeses.
Atualmente, as alterações climáticas provocadas pela ação do homem estão sendo sentidas e observadas em tempo muito curto. Períodos de seca inclemente, destruição provocada por ciclones e derretimento de geleiras contribuindo para a elevação geral do nível médio dos mares com inundações de áreas litorâneas, são efeitos atribuídos ao aumento da temperatura média da atmosfera do planeta conhecido genericamente como efeito estufa. Evidentemente é necessário buscar controles e padrões cada vez mais rígidos sobre as emissões de gases produzidas pela atividade humana sejam fontes urbanas, industriais ou agrícolas. Porém é necessário considerar, por outro lado, que eventos naturais catastróficos, como as erupções vulcânicas, são fatores que desempenham papel importante no conjunto de fatores que provocam alterações climáticas globais e que interferem decisivamente sobre a vida no planeta e sobre as quais infelizmente não temos qualquer possibilidade de controle ou atuação.
Para saber mais, pesquise no Google "1816 year without summer"

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Angélica, a Marquesa dos Anjos


Mas que diabos ! O que Angélica, A Marquesa dos Anjos, literatura de gosto duvidoso tem a ver com um blog de exploração geoquímica. Por incrível que pareça, muito a ver! A série que incluiu a Marquesa dos Anjos, os Fantasmas, Intriga Diabólica e muitos outros, fez sucesso nas décadas de 1950 a 1980 e foi escrito pelo casal Anne e Serge Golon, ambos pseudônimos.
Anne Golon, nascida Simone Changeux em 17 dezembro de 1921 em Toulon, filha do capitão de marinha Pierre Changeux, escreveu seu primeiro livro aos 18 anos e recebeu de amigos, apreciadores de seu talento de romancista, o pseudônimo de "Troubadour". Posteriormente, sob os pseudônimos de Joëlle Danterne, Anne Servoz e Dominique Ponmain, ela escreveu alguns best-sellers como «Au Pays de Derrière mes Yeux», «Le Caillou d’Or» e «Master Kouki» (que confesso, não li nenhum deles). Foi diretora de cinema, cenógrafa e fundadora da revista France 47, sucedida pela France Magazine e em certo momento resolveu viajar e escrever reportagens na África.
Já Serge Golon, nasceu Vsevolod Sergeivitch Goloubinoff em 23 de agosto de 1903 em Boukhara, no Turkestão, naquela época território do Império Russo onde seu pai Sergei Petrovitch Goloubinov era representante diplomático do Czar. Com dez anos, Vsevolod conheceu um espião alemão que também era prospector no lago Ourmiah, que lhe transmitiu a paixão pela mineralogia. Enviado para estudar em Sebastopol, estava na Russia no período da Revolução de 1918. Como filho de aristocrata tentou alistar-se o Exército Branco mas não foi aceito pela idade. Refugiou-se na França onde reencontrou a familia. Em Paris, graduou-se em engenharia de minas, prospecção geológica e mineralogia química, tendo sido o mais jovem estudante a receber o titulo de Doutor em Ciências da França. Trabalhou com prospecção de cassiterita na Indochina e de ouro na Africa. Em 1937, apadrinhado pelo Acadêmico M. Louis de Launay, Vsevolod Sergeivitch Goloubinoff apresentou à Academia de Ciências da França uma breve comunicação que trata de técnicas e resultados da exploração aluvionar "Sur la prospection géochimique differentielle des gîtes mineraux" (Acad. Sci. Paris. Comptes Rendus v 204, p 1075-1077. 1937).


A primeira parte da comunicação à Academia de Ciências da França

Apesar de ser uma breve comunicação, é um resumo interessante de suas observações quanto aos padrões de dispersão clástica do Au e do Sn e 'dicas' muito boas sobre prospecção aluvionar. Foi a primeira comunicação à Academia de Ciências da França sobre exploração aluvionar.


Na África, Vsevolod encontrou e casou com Simone, criaram o pseudônimo Serge e Anne Golon para o casal, o que deu origem a dupla de autores de sucesso da série de romances protagonizados por Angélica.
Serge morreu de um derrame cerebral quando visitava Toronto com Anne para estudar o ambiente de mais um romance da série Angélica.

Saiba mais em http://www.editiondurefuge.com/fr/public/document/index/page/323

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Amostras usadas precisam ser guardadas

Uma amostra de rocha, sedimento de drenagem ou testemunho de sondagem podem ter possibilidades de utilização muito maiores que as que originaram sua coleta. O arquivamento sistemático de amostras de materiais geológicos com a posição geográfica definida pode constituir um acervo da maior importância para as atividades de exploração de um teritório. São poucas as organizações estatais e privadas que dão a devida atenção e cuidado a esse acervo. Por exemplo, amostras de calha de poços tubulares profundos para produção de água, podem servir para montagens petrográficas e estudos geoquímicos. Conheci em Minas Gerais o espetacular arquivo de testemunhos de sondagem da Votorantim Metais da área da mina de Vazante e áreas próximas (foto abaixo).


O arquivo das amostras de sedimentos de drenagem e solos das pesquisas realizadas pela Mineropar é muito bem organizado e as amostras podem ser facilmente recuperadas. O arquivo de testemunhos de sondagem do Serviço Geológico da Finlândia é impressionante. São cerca de 3 milhões de metros perfurados por empresas e orgãos governamentais para as mais diversos finalidades. Após serem descritas, amostradas, testadas, fotografadas e submetidas aos ensaios planejados, são enviadas ao GTK onde são arquivadas para serem utilizadas por outros interessados ou outras aplicações. Os custos de arquivamento, materiais e permanência de pessoal auxiliar são cobrados de acordo com uma tabela.
Veja maiores detalhes em http://en.gtk.fi/Geoinfo/NationalDrillCoreRegister/