domingo, 16 de janeiro de 2011

Os mortos serão culpados por terem morrido

Me formei no Instituto de Geociências da UFRGS em 1973, mas meu primeiro trabalho - durou apenas 3 meses - foi na Divisão de Geotecnia da Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1974, antes da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara. Naquele ano houve uma catástrofe climática, não tão intensa quuanto a de agora. Lembro de uma vistoria para levantamento de danos que acompanhei na região serrana. Fomos a Petrópolis, Vassouras, Cantagalo e outros munícipios atingidos. Nada mais que uma vistoria e um relatório, pois não havia meios nem estrutura de defesa civil. Era cada um por si.


Essas catástrofes ocorrem há séculos e a cada evento, contam-se dezenas ou centenas de mortos. Nada acontece. Apenas os políticos oportunistas de sempre a enxugar os olhos com uma mão para lamentar as mortes e com a outra dar material de construção para mais um "puxadinho" na encosta de um morro ou no fundo de um vale para garantir mais alguns votos na próxima eleição.

O Estatuto das Cidades (Lei Nº 10.257, de 10 de Julho de 2001 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm)  estabeleceu que ao final de 2006 deveriam ser finalizados os Planos Diretores para muncípios com mais de 20.000 habitantes. Esse prazo foi alterado para o final de 2007.  Mesmo que essa data não esteja rigorosamente correta, os PDMs devem ter sido realizados e entregues, pois o repasse de recursos federais estava "amarrado" a essa exigência.
Repassando o Estatuto das Cidades, me parece que os municípios da região serrana do Rio de Janeiro encaixam-se nas exigências de elaboração de um PDM pois:
“Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
Suponho que um plano diretor, especialmente na região serrana do RJ, deveria contemplar a questão da declividade assim como deveriam ser examinados com cuidado a espessura dos depósitos inconsolidados, a cobertura vegetal e o mapeamento de áreas de risco. E, em vista de um  longo e tenebroso histórico, não deveria conter obrigatoriamente um plano de contigência para os casos de catastrofes ?



Será que esses planos diretores, que encheram o caixa de diversas empresas de consultoria - inclusive algumas foram criadas apenas com essa finalidade -  contemplaram esses aspectos ? E se contemplaram será que foram seguidos pelos órgãos municipais de licenciamento e fiscalização ? Será que os PDM foram feitos apenas para cumprimento de formalidades burocráticas ou tinham o conteúdo necessário e suficiente que as situações exigiam e exigem ?
Soube por um colega, que Petrópolis, uma das cidades atingidas, teve o seu Plano de Defesa Civil premiado em um evento sul-americano realizado em 2006. Grande e triste ironia ...
E agora, assisto entre estupefato e escandalizado, diversos especialistas, engenheiros, geólogos, urbanistas e membros da defesa civil, isso sem falar nos eternos políticos oportunistas, esbravejarem e exigirem que um mapeamento das áreas de risco deve ser feito com a máxima urgência. Ora, façam-me o favor....
Só quando o Ministério Público examinar e rastrear cada plano diretor e responsabilizar criminalmente os elaboradores, executores e gestores públicos que não seguiram o que está proposto nos PDM, essa barbaridade vai acabar.
E o CREA-RJ fará o que ? E o SENGE-RJ fará o que ? E a APG-RJ fará o que ? E a FEBRAGEO fará o que ? E o IAB-RJ fará o que ?
Exigir e acompanhar de perto uma investigação e a responsabilização criminal dos culpados é o que proponho para uma força tarefa dessas entidades junto com o Ministério Público do RJ, com indiciamento por homicídio culposo ou doloso dependendo do caso. Caso contrário, mais uma vez os mortos serão os culpados por terem morrido.
Nesse momento as redes de televisão informam que já são mais de 600 os mortos nos municípios atingidos.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pouco mudou desde 1969 ?

Relendo o volume do International Geochemical Exploration Symposium, realizado em Denver, Colorado em 1968, encontrei o artigo de Ralph Erickson, geoquímico do USGS "U.S. Geological Survey program in geochemical exploration research". Resolvi transcrever a introdução, pois me pareceu atualíssima, mesmo 40 anos depois.

(...) My topic is the USGS program in geochemical exploration research but I can't resist this excelent opportunity to first mention a few things that have been bothering me for a number of years.
I think it is high time that people stop selling applied geochemistry short. I realize that this may be largely a sympathetic audience to make this statement to, but I think we, the practicioners of the art, are at least partly to blame. For years we have been emphasizing and reemphasizing that geochemical techniques are only a tool - and a dangerous tool at that. Many of us have heard phrases such as "geochemical prospecting doesn't work" - "it's misleading, crude" - "not really very scientific". I, for one, am tired of listening to such nonsense. It's about time we look at geochemical exploration techniques in the proper perspective. The fault is not applied geochemistry but with us - with the geologists and engineers who are inadequately trained or inexperienced in this field. It's like any other specialized discipline in geology; inadequate training, or inexperience, or lack of understanding leads not only to poor results but to costly mistakes. Now we don't say that paleontology is no good because somebody misidentifies fossils or make the wrong stratigraphic correlation. We don't say that petrography or petrology is no good because somebody is not competent with the petrographic microscope or misidentifies rocks. Then why is applied geochemistry so widely criticized or looked at with suspicion ? Let's grow up We must do a better job of educating not only management but the geological profession as a whole to what exploration is all about - what a powerful and exciting tool it really is. (...)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Mais uma preciosidade

Durante o curso de vulcanologia que assisti em novembro de 2010 nos Andes Centrales, tive oportunidade de muito boas charlas (conversas), e muitas delas foram com Alfredo Jacobs Fuentes, boliviano, engenheiro geólogo formado na Universidade de Ouro Preto e que atualmente trabalha na Minera San Cristóbal na Bolívia.

Ao saber de meu interesse por história e livros antigos sobre mineração, ele me passou um livro que “baixou” do Google Books. É “Arte de los metales em que se enseña el verdadero beneficio de los de oro, y de plata por azogue. El modo de fundirlos todos, y como se han de refinar y apartar unos de otros.” Foi escrito pelo Licenciado Alvaro Alonso Barba, nascido na Villa de Lepe na Andaluzia, Cura da Paroquia San Bernardo, na Imperial de Potosi. Foi publicado pela primeira vez em 1637 com a aprovação de Diego de Padilla, Andrés de Sandoval e Bernardo de Ureña “Diputados del Gremio de Azogueros” (algo como a associação dos especialistas em mercúrio) da Villa de Potosí e com Imprimatur de 1639 por Don Paulo Barondelet.

No Capítulo XII, há uma deliciosa descrição “De la generación de las Piedras” que vou tentar traduzir. “Não se pode ter dúvidas que haja alguma virtude ativa, que engendre, e faça as pedras, como há para todas as outras coisas gerais e corruptíveis do Universo; mas esta é muito difícil de conhecer, por não ter lugar definido para geração, pois nos ares, nas nuvens, na terra, na água e nos corpos dos animais vemos que se produzem pedras. É sua matéria próxima, como já disseram Avicena e Alberto, uma mistura de terra e água, que se tem mais água que terra, se chama suco (Jugo); e se tiver mais terra que água, o chamamos lodo: o lodo tem que ser viscoso e tenaz para que ao ser fervido possa produzir as pedras, como é o que se usa para fazer telhas, tijolos e outros vasos; porque se não for assim, quando a umidade se evaporar com o calor, não ficará unida, e então a matéria se transformará em pó e terra.”

No Capítulo XIII o autor discorre sobre “De las diferencias que hay de Piedras”. “Toda a diversidade que existe de pedras pode ser reduzida a cinco gêneros; porque se são pequenas, raras, duras e que têm brilho e lustro, são as que se chamam Preciosas; se são grandes, ainda que sejam raras e que brilhem muito, se reduzem aos Mármores; se ao serem quebradas ficam aguçadas ou como escamas, são as Pederneiras; se estão finamente granuladas, são Guijarros; e se não têm os características acima, são as Penhas ou Pedras Ordinárias.”

O Capítulo XXIV contém os segredos de “Còmo se buscan las vetas de Metales”. “(...) Dão as cores dos morros, indício de que têm ou não minerais em suas entranhas.(...) Não há regra infalível e certa para que apenas a cor da terra seja um argumento de uma espécie de mineral em particular, que nela se cria, a menos que as experiências ou ensaios consigam provar. E assim, ainda que o material mais ordinário em que se cria o Ouro é vermelho ou amarelo escuro como um tijolo mal cozido, também se acham seus veios entre materiais esbranquiçados como em Oruro e Chayanta. São louros, da cor do trigo os demais minerais, ou Morros de Prata dessas Províncias (...) mas se ocorrem os veios encobertos, que se chamam Encapados, se procuram dessa maneira. Pelos vales, entre os morros, por onde a água corre quando chove, ou por outras partes de suas encostas, se sobe pouco a pouco com o martelo que chamam Catador na mão, aquele que tem uma ponta de aço numa parte para cavar se for necessário, e na outra, chata, para quebrar as pedras; deve se prestar muita atenção para as diferenças que há entre as pedras, e ao quebrá-las, as que reconhecidamente não se parecem com as ordinárias se encontram algumas, já medianas, ou muito pequenas de metal: deve-se considerar sempre segundo o local, o lugar de onde puderam cair que é necessário que seja sempre de mais alto. Chamam essas pedras de metal que se acham assim, de Rolados. Seguindo-as morro acima, enquanto se vê o rastro delas, e não existindo mais, é sinal certo de que por ali está o veio. Descobre-se com uma enxada, servindo de guia seguro, os fragmentos soltos de metal que se encontram ao cavar.

Os olhos de água ou mananciais que se vêm nos morros, são bons indícios da proximidade dos veios, pois a água corre por esse e por aqueles sai.

Costumam ser sinais de veios, árvores ou ervas que sendo de um gênero, se vêm plantadas em linha, indicando a Mina que corre por debaixo delas. Não crescem tanto nem têm cor tão viva como as demais plantas que se criam sobre os veios de metais; porque as exalações que saem deles as enfraquecem; consomem-se por esse motivo mas apressam o orvalho da manhã que cai sobre elas e mesmo a neve se derrete primeiro nos morros que têm Minas que nos vizinhos que não as têm, e no lugar onde há veios antes que nos lugares que não os têm.”

As observações de Alvaro Alonso Barba seguem sobre os diversos metais, suas formas de fundir e beneficiar. São especialmente interessantes as experiências sobre os cuidados na manipulação do mercúrio para a recuperação do ouro, para evitar suas perdas e desperdícios. São também muito interessantes os Capítulos XIII e XIV do Livro 4 “Del Arte”, que detalham os procedimentos para analisar, e os cuidados a serem adotados quando se está fundindo uma amostra de minério com o objetivo de definir o teor de uma mina de ouro, cobre, prata ou chumbo.

Sem dúvida nenhuma, um dos primeiros livros sobre as técnicas de prospecção, tratamento e beneficiamento de metais publicados na América do Sul.

Nessa edição de 1770 que recebi do Alfredo, foi acrescentado “El Tratado de las Antiguas Minas de España”por Don Alonso Carrillo y Lasso, Cavalheiro do Avito de Santiago e Cavalariço de Cordova.