domingo, 11 de setembro de 2011

Um vulcanólogo, talvez o primeiro deles

Há poucos dias recebi o livro Volcanoes - Fire from the Earth de Maurice Kraf, que comprei na Amazon. Apesar do formato de pocket book, é um livro belíssimo, lindamente ilustrado, que faz uma profunda revisão da vulcanologia desde os primórdios até 1991 quando  Maurice e sua esposa Katia, morreram na erupção do Unzen em 3 de Junho de 1991 (veja a postagem de 6 de março de 2011).
As referências feitas a George Poulett Scrope, frequentemente citado como quem teria usado pela primeira vez o termo "peperito" na região de Auvergne, França, me fizeram pesquisar melhor sua obra e buscar sua biografia.
George Julius Thompson (era seu nome de batismo), nasceu em 10/03/1797 em Londres. Estudou em escolas reservadas a filhos de familias abastadas como o Harrow School (onde também estudaram Winston Churchill e Jawaharlal Nehru). Em 1816 foi transferido para o St. John's College em Cambridge, onde teve contato com os professores Clarke e Sedgwick que lhe incutiram a paixão pela geologia e especialmente pela vulcanologia. Em 1817-18 viajou com os pais para o sul da Itália onde teve o primeiro contato com o Vesúvio. Em 1818 adotou o sobrenome Poulett, de um ramo aristocrático de sua familia. Anos depois, casou-se com  Emma Phipps Scrope, de quem adotou o sobrenome (a pronúncia é Scrup) em substituição ao Thompson. Foi assim que surgiu o nome conhecido dos vulcanologistas, George Julius Poulett Scrope (que era um sósia perfeito do músico italiano Giuseppe Verdi - veja ao lado). Era um magistrado, político, economista e cientista social, atividades que deviam garantir o sustento da família e financiar suas pesquisas e expedições científicas. Foi amigo e parceiro de Charles Lyell na consolidação dos conceitos do Uniformitarismo e batalharam juntos contra o Netunismo de Werner. Visitou os centros eruptivos de Auvergne, sul da Itália, Ilhas Lipari e Eifel. Ele estudou as acumulações de cinza e lava que compõem os cones e provou que derrames espessos podem avançar mesmo em vertentes com mais de 30°, confrontando seriamente as teorias de Leopold von Buch de que os aparelhos vulcânicos se elevavam por uma "força vulcânica interna" e  que seus cumes teriam se abatido, formando assim as crateras circulares. Mas a maior contribuição de George Scrope foi mostrar a importância dos gases e da água contidos no magma em profundidade, os quais estão sob pressão devida ao peso das rochas sobrejacentes.  Na menor queda de pressão, os gases se separam do material sólido e a água se transforma em vapor, provocando a ascenção do material fundido e a subsequente erupção. Ele também relatou que quando um vulcão emite uma sucessão de diversos tipos de lava (por exemplo, basaltica seguida por traquítica) é porque os processos químicos modificaram lentamente a composição do magma no reservatório, e que a fluidez da lava, depende de sua composição mineralógica, seu conteúdo em gases e sua temperatura. Ele acreditava que o magma era o resultado do calor produzido no nascimento de nosso planeta. Com sua perspicácia na observação da natureza,  lançou as bases da vulcanologia moderna.

Para saber mais:
Kraft, M. (1993) Volcanoes - Fire from the Earth. Harry N. Abrahams. New York. 207 p. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Carta Aberta sobre o “Rio Hamza”

A idéia "revolucionária" lançada por pesquisadores do Observatório Nacional de que existe um rio sob o Amazonas, tão ou maior que ele, mas que flui a razão de centimetros a cada ano, foi amplamente divulgada na imprensa nacional e internacional. Diversos geólogos participantes da rede de discussão da FEBRAGEO - Federação Brasileira de Geólogos, discutiram amplamente essa idéia e redigiram um texto que manifesta sua opinião contrária, com o qual concordo integralmente: 
            Uma ideia subjetiva foi apresentada durante o 12º Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, no Rio de Janeiro, e divulgada na mídia no mês de agosto de 2011: "abaixo do Rio Amazonas, no interior das rochas a 4.000 metros de profundidade, haveria um "rio subterrâneo" com 6.000 km de comprimento e 400 km de largura”.
            Tal trabalho seria apenas criticável no âmbito da ciência, se restrito aos círculos acadêmicos. No entanto, para surpresa da comunidade geológica, a comunicação, que estava restrita ao Congresso, foi enviada, provavelmente via release, a inúmeros veículos de divulgação científica e não científica.
            A divulgação de um resultado de pesquisa simplista, que usou dados concretos para chegar a conclusões improváveis, inclusive usando definições incorretas, prejudica a divulgação da ciência e desinforma o público. Proveniente de um grupo de pesquisa do Observatório Nacional, a informação correu mundo sob o nome "Rio Hamza", em alusão a um dos envolvidos na pesquisa. Entretanto, trata-se de uma conclusão precipitada de uma tese de doutorado baseada em dados indiretos - medidas de temperaturas de poços para petróleo perfurados a partir dos anos 1970. Além disso, a conclusão não foi avaliada por pesquisadores independentes e contém uma série de imprecisões de interpretação e de linguagem, ferindo conceitos arraigados nas Geociências.
            O rio Amazonas atravessa, de oeste para leste, sucessivamente cinco grandes bacias sedimentares, denominadas Acre, Solimões, Amazonas, Marajó e Foz do Amazonas. Em geologia, “bacia sedimentar” significa uma depressão que, ao longo do tempo, recebe diferentes materiais sedimentares (areia, lama, etc) de uma ou mais fontes. Essas bacias estão preenchidas por uma sucessão de camadas de rochas sedimentares com milhares de metros de espessura. Quando porosas, as rochas contêm água subterrânea, situação comum em bacias sedimentares. Se, além de porosas, as rochas forem permeáveis (os poros interconectados), em geral há fluxo de água subterrânea, normalmente com velocidades medidas em cm/ano. A situação também é normal em bacias sedimentares e os diversos aquíferos das bacias atravessadas pelo Rio Amazonas são conhecidos e vem sendo estudados há tempos pelos geólogos brasileiros.
            Uma explicação aceita pela ciência geológica brasileira é de que o “Rio Hamza”, “descoberto” pelos geofísicos do Observatório Nacional, não é um rio, mas um possível fluxo muito lento no interior de um aquífero formado por rochas sedimentares porosas e permeáveis. Mesmo como figura de linguagem, o termo “rio subterrâneo” utilizado por aqueles pesquisadores está absolutamente incorreto para o caso em questão, visto que esse termo é usado, e apenas com cautela, nas situações em que águas fluem através de cavernas. A água não é doce – a essa profundidade trata-se de uma água supersaturada em sais solúveis, ou seja, uma salmoura. Não está comprovada a continuidade do aquífero profundo por 6.000 km, nem se faz ideia se há descarga de suas águas para outras bacias sedimentares próximas. É uma temeridade afirmar, como se fez na Tese em debate, que a água deste aquífero exerceria alguma influência na salinidade de águas marinhas próximo à foz do atual rio Amazonas. A existência de “bolsões de água doce” no Oceano Atlântico próximo deve-se à tremenda descarga do Rio Amazonas, cujas águas invadem o mar por muitos quilômetros desde sua foz.
            A forma equivocada de divulgação de resultados de pesquisa, ainda preliminares, abala a credibilidade da pesquisa brasileira, como neste caso, em que a “descoberta” de um falso "rio subterrâneo" foi alardeada de maneira precipitada e sensacionalista.
            Os signatários desta carta aberta vêm, de forma responsável, contestar as conclusões tomadas como certas, mas que na verdade carecem de qualquer sentido técnico à luz da ciência geológica que se pratica no Brasil e no mundo.
Prof. Dr. Celso Dal Ré Carneiro (UNICAMP)
Prof. Dr. Eduardo Salamuni (UFPR)
Prof. Dr. Luiz Ferreira Vaz (UNICAMP)
Prof. Dr. Heinrich Theodor Frank (UFRGS)
Apoio: Federação Brasileira de Geólogos - FEBRAGEO
Associação Profissional Sulbrasileira de Geólogos - APSG
Sociedade Brasileira de Geologia - Núcleo Rio Grande do Sul e Santa Catarina SBG-RS/SC

sábado, 3 de setembro de 2011

The Ig Nobel Prizes

"Last, but not least, there are the Ig Nobel awards. These come with little cash, but much cachet, and reward those research projects that 'first make people laugh, and then make them think."
Essa foi a referência elogiosa do clássico e respeita-do periódico científico Nature ao evento de premiação anual que celebra, desde 1991, as pesquisas insólitas que refletem o interesse das pessoas pela ciência, medicina, literatura, paz e tecnologia.

Selecionei alguns dos medalhistas Ig Nobel entre as dezenas de espetaculares descobertas científicas e inventos que mostram a enorme capacidade do ócio criativo.
 
1991 - Química  – Jacques Beneviste, um dedicado e prolífico correspondente de Nature, pelo seu persistente pesquisa e descoberta de que a água, H2O, é um liquido inteligente e por demonstrar que a água é capaz de lembrar eventos e fatos mesmo depois que esses fatos se esvaneceram.
1992 - Arqueologia – Eclaireurs de France (uma organização de escoteiros da França), removedores de grafitti, por danificar as pinturas rupestres  de dois bisões na Caverna de Mayriére, próximo da vila de Bruniquel, França.
1992 - Literatura – Yuri Struchkov, um frenético autor do Institute of Organoelements Compounds de Moscow, pelos 948 artigos científicos publicados entre 1981 e 1990, o que dá uma média de um artigo a cada 3,9 dias.
1992 - Medicina – F. Kanda, E. Yagi, M. Fukuda, K. Nakajima, T. Ohta, e O. Nakata do Shideido Research Center de Yokohama, pela sua pesquisa pioneira "Elucidation of Chemical Compounds Responsible for Foot Malodour," (Elucidação dos Compostos Quimicos Responsáveis pelo Chulé) especialmente por sua conclusão de que pessoas que pensam que têm chulé estão certas, e aquelas que acham que não têm, também estão.
1993 - Literatura – T. Morrison,E. Topol, R. Califf, F. Van de Werf, P. W. Armstrong, e seus 972 co-autores, por publicar um artigo de pesquisa médica que tem 100 vezes mais autores do que páginas. Os co-autores são dos seguintes países Australia, Bélgica, Canada, França, Alemanha, Irlanda, Israel, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, Espanha, Suiça, Reino Unido e Estados Unidos.
1993 - Nutrição – John Martinez da J. Martinez & Company, Atlanta, pelo Luak Coffee o café mais caro do mundo que é feito com grãos de cafe ingeridos e excretados pelo luak, um mamífero nativo da Indonésia.
1993 - Medicina – James F. Nolan, Thomas J. Stillwell, e John P. Sands, Jr., médicos piedosos do Department of Urology, Naval Hospital, San Diego, California,  pelo seu relatório de pesquisa "Acute Management of the Zipper-Entrapped Penis" (Solução da Crise do Pênis Preso no Zipper).
1993 - Paz – Pepsi-Cola Company das Filipinas, por patrocinar um concurso para criar um milionário e anunciar um número vencedor errado, e assim incitando 800.000 furiosos concorrentes e unindo, pela primeira vez na história da Filipinas, diversas façções em guerra.
1994 - Matemática - Igreja Batista do Alabama,  mensuradora da moralidade, por sua estimativa condado a condado de quantos cidadãos do Alabama iriam para o inferno se não redimissem seus pecados
1997 - Entomologia - Mark Hostetler da Universidade da Florida por seu livro, That Gunk on Your Car, (ISBN 978-0-89815-961-5) que identifica os insetos esborrachados nos parabrisas dos automóveis.
1999 - Educação da Ciência – Ao Conselho de Educação do Estado do Kansas e ao Conselho de Educação do Estado do Colorado, USA por ordenar que as crianças não devem acreditar na teoria da evolução de Darwin, na teoria da gravitação de Newton, na teoria do eletromagnetismo de Faraday e Maxwell e na teoria que germes provocam doenças de Pasteur .
2002 - Medicina -  Peter Brass da Universidade McGill, Canada pelo seu artigo médico de grande impacto "Injuries Due to Falling Coconuts" (Danos provocados pela queda de cocos)
2005 - Paz - Claire Rind e Peter Simmons da Universidade de Newcastle, pelo monitoramento da atividade elétrica das células cerebrais de gafanhotos, enquanto o animal observava cenas selecionadas do filme Guerra nas Estrelas.
2007 - Aviação - Patricia V. Agostino, Santiago A. Plano e Diego A. Golombek, pela descoberta de que hamsters se recuperam mais rapidamente do jetlag se ingerirem Viagra.
2008 - Química - Sheree Umpierre, Joseph Hill, e Deborah Anderson, por descobrirem que Coca Cola é um eficiente espercimida e para C.Y. Hong, C.C. Shieh, P. Wu, e B.N. Chiang que acidentalmente provaram o contrário.
2009 - Biologia - Fumiaki Taguchi, Song Guofu, e Zhang Guanglei da Universidade Kitasato, Escola de Ciências Médicas de Sagamihara, Japão, por demonstrarem que os resíduos de cozinha podem ser reduzidos em mais de 90% se forem misturados a bactérias extraídas das fezes de pandas gigantes.
2010 - Química - Eric Adams, Scott Socolofsky, Stephen Masutani e a British Petroleum por contariar o antiga crença que petróleo e água não se misturam.
2010 - Gestão de Pessoal - Alessandro Pluchino, Andrea Rapisarda, e Cesare Garofalo da Universidade de Catania, Italia, por demonstarem matematicamente que as empresas tornam-se mais eficientes se os funcionários a serem promovidos forem selecionados aleatoriamente.
2010 - Engenharia - Karina Acevedo-Whitehouse  e Agnes Rocha-Gosselin da Zoological Society of London, UK, e Diane Gendron do Instituto Politecnico Nacional, Baja California Sur, Mexico, por aperfeiçoarem o método de coleta do ranho de baleia, usando um helicóptero com controle remoto.
Em 29 de Outubro de 2011, será realizada a 21 Cerimônia Anual do Prêmio Ig Nobel no Teatro Sander da Universidade de Harvard (foto ao lado) que é patrocinada pelas seguintes instituições Harvard-Radcliffe Society of Physics Students, a Harvard-Radcliffe Science Fiction Association, e a Harvard Computer Society. As entradas para a cerimônia já estão à venda em https://www.boxoffice.harvard.edu/online/default.asp

Fontes: http://improbable.com/ig/ig-pastwinners.html
http://improbable.com/ig/2011/
http://www.fas.harvard.edu/~memhall/sanders.html