sábado, 13 de fevereiro de 2010

O meteorito e o cordel

A poesia de cordel é um dos ícones da cultura nordestina do Brasil. que usa os mais diversos temas como inspiração. Eu não conheço muitas, mas gosto do vocabulário, da métrica, das rimas e dos temas. Navegando na Internet encontrei o Luar do Conselheiro, pseudônimo de um poeta de cordel que escreveu entre outros, A Saga da Pedra de Bendegó, que conta a história da queda do meteorito em território bahiano e da expedição que o levou para o Rio de Janeiro.
Na capa o cordelista explica: "A pedra do Bendegó, ferida latente no povo catingueiro, o maior meteorito encontrado no Brasil, roubado pelo Império e levado ao museu Nacional no Rio de Janeiro é o tema deste cordel de protesto, que traduz a insatisfação popular e o descaso das autoridades brasileiras em preservar nosso patrimônio."
Escrevi pedindo autorização para postar nesse blog e aí está a resposta dele:
Caro Otávio. fico feliz com tua ideia! tá autorizado...arroche o nó! e o que precisar de mim estou a tua disposição. se der coloca o meu blog, versosdoluar.blogspot.com assim quem quiser pode saber mais do meu trabalho. graaaaaaaande e cordial abraço!

"Mandei bala e arrochei o nó" e aí está o link para essa obra de um poeta popular que usou um fenômeno da natureza como inspiração http://www.portaldocordel.com.br/doc/cordeisDown/pedraBedengo.pdf

O meterito de Bendegó é um siderito irregular com dimensões máximas de 215 x 145 x 58 cm, com uma massa calculada em 5360 kg, composta de 92,70 % Fe, 6,52 % Ni, 0,47 % Co, 0,22 % P e traços de S, Cu, Cr, As, Au, Pt, Pd, Os, Ir, Rh, Ru, etc. Não encontrei na Internet uma fonte confiável com a composição química completa do Bendegó. Se algum leitor conhecer, peço que me informe.
A foto do transporte do meteorito de Bendegó para o Rio de Janeiro é do relatório da expedição comandada por José Carlos de Carvalho, escrito em 1888 ao Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas e à Sociedade Geográfica do Rio de Janeiro, cuja cópia digitalizada está em
A foto do menino sobre o meteorito de Bendegó é de http://www.meteoritos.com.br/

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Hg, As e sífilis

Numa manhã de domingo, conversando com meu pai, médico formado na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1947, veio o assunto dos antigos tratamentos para doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a sífilis. Mesmo que esse tema diga muito mais à farmacologia que à exploração geoquímica, me parece interessante abordá-lo.
Desde o final do século XVII, e talvez até antes disso, o tratamento padrão para a sífilis era à base de calomelano, um composto à base de 88% Hg2O e 12 % Cl. Esses tratamentos eram baseados em soluções injetáveis desse composto de alta toxicidade, se prolongavam por semanas com aplicações diárias dessas injeções que provocavam reações terríveis como violentas cólicas hepáticas e crises de vômito. O que mais me impressionou foram as pomadas de Metchinikoff e Roux com 33 gramas de calomelano mais lanolina e vaselina, de cor quase negra, embaladas em latas, que eram usadas para aplicações e fricções nas lesões de pele e também para besuntar a pele dos bebês, de pais portadores de sífilis. Lá pelas décadas de 1930-40 esse tratamento foi sendo gradativamente substituído pelas injeções endovenosas de Arsenox, um composto injetável à base de As. Essas injeções deveriam ser ministradas rapidamente pois o composto "coagulava" dentro da seringa e se a agulha saisse da veia, produzia uma lesão horrível.
Depois, procurando na Intermet, encontrei uma tese de doutorado defendida em 1921 na Faculdade de Medicina do Porto, pelo médico Luis Antonio Corte Real. Nessa tese, há a referência aos gabinetes profiláticos implantados pelo exército americano durante a 1ª Guerra Mundial, ao qual eram obrigados a comparecer todos os soldados. Nesses gabinetes, faziam a aplicação de pomadas de calomelano e uma injeção uretal de Protargol, um antisséptico e germicida, um composto com 8% de Ag soluvel em água. Há também uma descrição do tratamento e reações adversas nos pacientes, bem como reflexões e criticas do Dr. Corte Real sobre as possibilidades de intoxicação e até a morte dos pacientes.
Essa tese "Notas sobre a sífilis" está digitalizada e disponível em (http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/17561/3/197_2_FMP_TD_I_01_P.pdf).
Finalizando, lembro de um LP de vinil com obras de Mozart que tenho na minha coleção, e cuja resenha da contra-capa foi escrita por um médico e que faz um diagnóstico da causa morte do Wolfgang, que teria sido por falência do sistema renal e hepático, provavelmente provocado pelas altas doses de calomelano para o tratamento da sífilis.

Ao final fico imaginando quantos pacientes não morreram do remédio e quantos não ficaram com sequelas permanentes pela intoxicação mercurial. Vale lembrar que o "mal de Minamata" foi relatado somente após a 2ª Guerra Mundial devido aos resíduos ricos em compostos organomercuriais produzidos por uma fábrica de PVC, localizada nas margens da baía de Minamata, no Japão.