sábado, 26 de setembro de 2009

Grafoscopia ou papiloscopia geoquímica ?

As diversas classificações existentes para tipos e modelos de depósitos minerais são incapazes de sintetizar a complexidade das associações entre elementos em cada corpo de minério.

Por sua singularidade e exclusividade, para essa associação entre elementos maiores, menores, traço e ultra-traço em um depósito mineral me parece que a expressão "geochemical fingerprint" é muito mais precisa que a "assinatura geoquímica" que adotamos.

A complexidade dessa associação de elementos se dá não só por fatores muito gerais e comuns que caracterizam um modelo de depósito mas também por fatores muito particulares à cada corpo ou jazimento, como por exemplo o resultado da interação dos fluidos mineralizadores com as encaixantes, ou a atuação do metamorfismo sobre a mineralização.

O avanço espetacular que as técnicas analíticas sofreram nos últimos vinte anos tanto na quantidade de elementos determinados quanto na sensibilidade, precisão e exatidão dos resultados, possibilitaram que a investigação dessas associações se aprofundasse, já que passaram a ser considerados teores expressos em %, ppm, ppb e até ppt.

A construção de funções aditivas ou multiplicativas refletindo as associações elementares de depósitos conhecidos, configura um enorme avanço nas técnicas de prospecção geoquímica antes baseada exclusivamente no estudo dos halos e trends de dispersão de elementos isolados. Com essas funções, o traçado dos perfis geoquímicos fica muito menos serrilhado já que o sinal geoquímico é menos oscilante e os halos de dispersão muito mais estáveis e longos.

Existem porém algumas armadilhas nesse processo, relacionadas às diferenças de escalas e amplitudes de medida e à distribuição estatística das variáveis envolvidas. É fácil imaginar que faz pouco sentido somar os teores de um elemento com distribuição normal com os de outro de distribuição log-normal, ou multiplicar os teores de um que varia ao redor de 2500 ppm com os de outro que se situa na faixa dos 15 ppb. Mas, não se desespere ! Há soluções relativamente simples para contornar essas dificuldades. Eu já fiz diversas experiências e aplicações de funções aditivas e multiplicativas em ambientes semi-áridos, tropicais e temperados e sempre com resultados muito positivos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Quando eu estava escrevendo o Capítulo 1 do Livro Prospecção Geoquímica de Depósitos Minerais Metálicos, Não Metálicos, Óleo e Gás, escrevi ao meu caro Prof. Manuel Serrano Pinto da Universidade de Aveiro, Portugal solicitando informações sobre os primeiros trabalhos realizados em Angola. Ele, sempre disposto a colaborar, fez contato com o Prof. Bernardo José Ferreira Reis que enviou muitas informações que infelizmente não tivemos tempo para incluir no livro. É um material muito interessante e rico, não só pela relação de referências bibliográficas mas também por mostrar que já em 1966, muito adiante de outros países mais desenvolvidos, já eram elaboradas cartas geoquímicas em Angola. Publicar esse material é uma reparação dessa falha involuntária e uma homenagem a todos os pesquisadores citados e que realizaram tantos e tão importantes trabalhos em Angola.

Em nome dos leitores desse blog, agradeço muito aos prezados Manuel Serrano Pinto e ao Bernardo Reis pela valiosa contribuição ao resgate da memória da prospecção geoquímica nos países de língua portuguesa.

(...) após diversas pesquisas posso referir que quanto ao meu conhecimento, as pesquisas geoquímicas nos quimberlitos tiveram lugar a partir de 1950 aproximadamente, sob a orientação de C. Fiersmans (Belga). Um dos trabalhos que conheço mas não posso precisar a verdadeira data foi Jedwab, J. no Congo Belga, à volta de 1950/52. este mesmo investigaddor dedicou-se `prospecção geoquímica no Congo Belga, na região de Kassai, tendo publicado um trabalho em 1959 “Prospection géochimique de kimberlite diamantifére au Congo Belge” (Bull. de la Soc. Belge de Géol; de Paléon. Et d’Hyd. tome LXVII, pp 404-417.

Na Lunda, deve-se ao Eugénio Correia o lançamento da prospecção geoquímica nos quimberlitos, seguindo a pista deixada por Jedwab e Fiersmans (Belgas), tendo publicado o primeiro trabalho no Boletim nº 11 (janeiro/junho) do Serviço de Geologia e Minas.

Penso que o Eugenio Correia montou o Laboratório de Geoquímica à volta de 1963 havendo imensos trabalhos inéditos realizados e publicados internamente até 1975, que devo ter em meu arquivo, mas de momento exigiria um grande esforço para os localizar, dentro de toda documentação que tenho. Mesmo assim envio-te uma listagem que encontrei (só até 1966, inéditos).

1. A. Rodrigues. Carta Geoquímica da região de Mussolegi/Luana. Rel Geologia. Julho de 1966.

2. Arlindo Saraiva. Propsecção geoquímica do tributário do Ribeiro Cariué/Luachimo e Sector Muquita/Sombo. Rel Geologia, Maio de 1966

3. Baltazar Rodrigues. Carta geoquímica do interflúvio Sequeje/Cambatxe, afluente do Quissema/Cuango. Rel. Geologia, Junho de 1966.

4. Bernardo Reis. Carta geoquímica da região de Cassupala, Luachimo e Sector Muquita/Sombo. Rel. Geologia, Julho de 1966.

5. Bernardo Reis. Preparação de padrões para dosagem do níquel por cromatografia. Rel. Geologia, Julho de 1966.

6. Bernardo Reis. Carta geoquímica do quimberlito do Camuanzanza. Rel. Geologia, Dezembro de 1966

7. Eugenio Correia. Ensaios preliminares de prospecção geoquímica (Níquel) nos quimberlitos de Caixepa, Muenze e Camuvuma. Rel Geologia, Abril de 1964.

8. Eugenio Correia. Ensaios preliminares de prospecção geoquímica (Cromo) nos quimberlito de Caixepa. Rel Geologia, Maio de 1964.

9. Eugenio Correia. Ensaios Pormenorização da zona de concentrações anômalas de Ni, assinaladas no único perfil geoquímico da Linha 3 do ribeiro Caixepa. Rel Geologia, Julho de 1964.

10 Eugenio Correia. Ensaios de prospecção geoquímica do Ni em quimberlitos da Bacia do Luachimo: Capombo, Cariué e Cambuage. Rel Geologia, Setembro de 1964.

11. J. Jedwab. Prospection géochimique de kimberlite diamantifére au Congo Belge. Bull. de la Soc. Belge de Géol; de Paléon. Et d’Hyd. tome. LXVII, pp 404-417.

12. A. Monforte. Carta geoquímica da região do Mussolegi. Rel. Geologia, Março de 1966.

13. A. Monforte. Carta geoquímica do Luo/Chicapa. Rel. Geologia, Junho de 1966.

Há vários trabahos de autoria (inéditos): Eugênio Correia, A. Monforte, Balthazar Rodrigues, A. Rodrigues, Recharto Caldeira, Xambre, Bernardo Reis, Acúrsio Parra, Rui Menezes, Ricardo Figueiredo,m etc.

No Boletim nº 25 dos Serviços de Geologia e Minas, existe um trabalho do Acúrsio Parra “Prospecção geoquímica de Quimberlitos nas Bacias Fluviais do Lufulé e do Cacuilo”, p 35-47.

(...)

Bernardo José Ferreira Reis

Braga, Portugal, 05 de fevereiro de 2007

sábado, 19 de setembro de 2009

Aquecimento global


Recebi de um amigo de Porto Alegre o anúncio-convite para o curso de cartun e charge do Santiago um dos mais antigos e produtivos chargistas do Rio Grande do Sul. Produtivo e perspicaz tem um traço bem característico. O convite está ilustrado com uma charge excelente sobre o aquecimento global, principalmente por ter como protagonista uma criança que representa o futuro do planeta e a geração que no curto-médio prazo sofrerá os efeitos desse problema. O aquecimento global é um fato inquestonável que parece ter um forte componente natural e uma também forte contribuição de emissões de gases e particulados e de calor antropogerados.
Por falar nisso, tenho criticado muito o uso dos termos antropogênico e geogênico com sentido totalmente errado. Etimologicamente esses termos significam a geração do homem (antropo gênese) e a geração da Terra (geo gênese) mas sido corrente e frequentemente usados para expressar a idéia de algo produzido pela ação do homem ou de algo produzido a partir do fundo geológico, o que me parece totalmente equivocado. O correto seria antropogerado e geogerado. Concordo que são palavras horríveis, mas infelizmente me parecem as formas corretas.

Para mais informações sobre o curso do Santiago escreva para luciano.klockner@pucrs.br

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Último capítulo - Continuação do Capítulo 4 postado em 15/9/21009

Capítulo 5 - Terceira fase do projeto - Estudo regional: objetivos perseguidos. hipóteses de trabalho

O estudo regional, como se deixou transparecer nos parágrafos anteriores, foi o de verificar ou delinear eventual província geoquímica de cobre e/ou outros metais e identificar alvos geoquímicos merecedores de estudos mais detalhados: geofísica (possivelmente gravimetria quando houver corpos máficos associados e presença de magnetita e grafita em outros tipos de rocha) e sondagens.

5.1 HIPÓTESES DE TRABALHO LEVANTADAS

A - Se fosse delimitada uma província geoquímica de cobre no vale do Curaçá, as jazidas de cobre eventualmente delineadas seriam do mesmo tipo das de Caraíba, isto é, cobre associado a rochas máficas e ultramáficas. Entretanto, não havia elementos (nos anos 1960 e 1970) para se assegurar que essa hipótese iria ser confirmada.

B - Os resultados encontrados em Caraíba se aplicariam em escala regional, do ponto de vista de mobilidade relativa, dos elementos analisados, da associação geoquímica, da intensidade e dimensão dos halos geoquímicos de cada alvo ou ocorrência. Este pressuposto encontra, porém sérias limitações: profundidade do corpo de minério em relação à superfície, que pode ser sub-aflorante ou não; superfícies de falha cortando os corpos de minério em profundidade e atingindo a superfície (produzindo vazamento de anomalia); elementos químicos presentes que podem interferir nos resultados analíticos; dimensão do corpo mineralizado. Logo, o intervalo de amostragem (1.000x500 metros) indicaria preferencialmente corpos minerais nas condições gerais do que existe em Caraíba, mas poderia deixar de fora importantes mineralizações, por exemplo, por causa da profundidade em que se encontram.

C - A mineralização teria filiação máfica/ultramáfica, em corpos que teriam se formado antes ou durante o intenso metamorfismo regional, que envolve anatexia com reações químicas entre as rochas e assim os halos geoquímicos primários (condições de elevadas pressão e temperatura) teriam caráter epigenético (dispersão por efeito do metamorfismo).

D - O grau de metamorfismo seria essencialmente o mesmo em toda a região do vale do Curaçá, pois se não o fosse, invalidaria o intervalo de amostragem adotado (1.000x500m), que produziu resultados positivo.

E - Considerando o solo como sendo residual em toda a região do vale do Curaçá, a dispersão dos elementos no ambiente geoquímico secundário (solos) revelaria a mesma configuração da dispersão desses mesmos elementos químicos no ambiente geoquímico primário (rochas).

F - Se a gênese admitida como sendo máfica/ultramáfica não se confirmasse, muitas jazidas poderiam ser perdidas, isto é, não seriam identificadas como jazidas potenciais, inclusive porque em Caraíba as rochas máficas/ultramáficas originaram solos ricos em montmorillonita, o que tem o mérito de realçar as anomalias geoquímicas por efeito da adsorção de cátions exercida por esses minerais argilosos. Se a associação fosse félsica (rochas silico-aluminosas) o intervalo de amostragem teria de ser bem menor (fraca adsorção). Eventual baixo grau de metamorfismo em partes da região estudada teria efeito semelhante.

5.2 Uma importante conclusão – A aplicação de prospecção geoquímica em detalhe como orientação para sua aplicação à prospecção geoquímica regional, mostrou que a amostragem de solo constituiu uma técnica eficaz e eficiente para ser aplicada em prospecção geoquímica regional no Nordeste semi-árido da Bahia e que a configuração da dispersão, após ajustada pelo processo de média móvel, pode sugerir também o tipo de controle geológico – litológico e/ou estrutural – da mineralização de cobre no vale do rio Curaçá. Possivelmente a metodologia se aplicará a todo o semi-árido do Nordeste do Brasil.

5.3 IDEIAS SUGERIDAS PELO LEVANTAMENTO REGIONAL REALIZADO: os mapas geoquímicos de caráter regional constituem também a base essencial de um MAPA AMBIENTAL

Foram identificadas duas província cupríferas: 1) uma acompanhando o eixo da bacia do rio Curaçá, aparentemente mono-metálica, isto é, somente cobre. 2) outra, cerca de 50km a leste da primeira, com níquel e cobre, mas com forma e extensão ainda indefinidas.

Foi identificada também uma província cromífera, para o sul, com forma e dimensão não definidas, podendo atingir a região de Itiúba e talvez incluindo as ocorrências de Queimadas e Santa Luz, mais ao sul. A titulo de ilustração, em Itiúba, ao sul de Caraíba, localizou-se mais tarde, ocorrência de minerais de cromo e, a sudoeste (em Campo Formoso), havia uma mina de cromita em início de operação. Mais tarde foi descoberta jazida de ouro, em rocha máfica, em Serrinha, a sudeste de Caraíba. Em Floresta, Pernambuco, em 1973-78 foi definida um distrito titanífero. Assim, poderíamos estar diante de um zoneamento metálico. Essa suposição pode estimular importantes trabalhos de pesquisa, lembrando que a amostragem de solo pode ser complementada com amostragem de sedimentos de corrente (e água em regiões de clima mais úmido e evaporação menos intensa que no semi-árido do Nordeste do Brasil) com o objetivo de preparar um mapa ambiental. A parceria prospecção geoquímica regional e preparo de mapa do meio ambiente é altamente desejável.

Entre 1970 e 1975 foi executado um programa de definição de alvos geoquímicos, baseado nos mesmos pressupostos, onde as condições geológico-climáticas são análogas e foram identificados 36 (trinta e seis) alvos geoquímicos na bacia do rio Curaçá. Todos esses alvos foram objeto de estudo mais cuidadoso, com prospecção detalhada, abertura de trincheiras, levantamento geofísico e sondagem rotativa com testemunhos de sondagem. Esse é outro capítulo que poderá ser objeto de publicação, e divulgação, mais tarde.

De qualquer modo, convém salientar a importância da metodização, da sistematização e da continuidade do trabalho, condições essenciais para um programa bem sucedido de prospecção mineral, como posteriormente foi adotado pela CBPM, na Bahia, e outras entidades do ramo no país.

Uma observação final: outros projetos de prospecção geoquímica podem ser comentados sob esse mesmo tipo de perspectiva. (1) Prospecção na região de Lagarto, em Sergipe; (2) prospecção na região da falha de Maragojipe, na parte oeste do Recôncavo baiano; (3) na bacia do Itapicuru, além de dois outros, sendo um em Pernambuco e o segundo na região de Paramirim (Ibiajara/Ibitiara) na parte oeste da Chapada Diamantina da Bahia. Em adição, pode ser expandida a etapa de prospecção regional com discussão e conclusões dos trabalhos sobre os alvos geoquímicos revelados na prospecção regional do vale do Curaçá, mencionado um pouco acima.

Sylvio de Queirós Mattoso

Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Georgius Agricola, esse era "o cara" !


Georg Bauer ou Georgius Agricola nasceu em Glachau na Saxônia em 24/3/1494 quando Renascença apenas começava na Europa. Com vinte anos, entrou para a Universidade de Leipzig e em três anos e meio recebeu o título de Baccalaureus Artium. Ensinou Grego e Latim na escola municipal de Zwickau. Em 1522, retornou a Leipzig para ser professor na Universidade. De 1524 a 1526 viajou para a Itália onde estudou filosofia, medicina e história natural nas universidades de Bolonha, Veneza e Padua. Retornou à Boêmia e em 1527 foi escolhido para ser o médico municipal de Joachimstahl. Nessa pequena cidade que fica na encosta oriental do Erzgebirge, no centro de um rico distrito mineiro passou suas horas vagas da medicina, visitando as minas e as fundições e lendo obras em grego e latim sobre a arte da mineração. Apesar de ser hoje conhecido principalmente pelo legendário De Re Metallica, a sua bibliografia é vasta, especialmente para época: Bermanus, quase um catecismo sobre a mineralogia, termos e saber mineiros; De Mensuris et Ponderibus, uma discussão e comparação dos sistemas de pesos e medidas dos romanos e gregos; os cinco livros de De Ortu et Causis Subterraneorum o primeiro trabalho de geologia física; os quatro livros de De Natura Eorum quae Effluunt ex Terra sobre águas subterrâneas e gases; os dez livros de De Natura Fossilium a primeira sistematização da mineralogia; os dois livros de De Veteribus et Novis Metallis dedicados à historia dos metais e a mineralogia; e Rerum Metallicarum Interpretatio um glossário de termos mineralógicos e metalúrgicos em latim e alemão.
Para ele, os depósitos minerais se classificavam nas seguintes categorias: vena profunda (filões), vena dilatata (camadas horizontais), vena cumulata (stockwerk ou disseminações), fibra (stringers) e commissurae saxorum (juntas e pequenos veios). Na formação desses depósitos, os sucus desempenhavam papel fundamental pois migravam pelos canales. Os succus se solidificavam pelo frio e transformavam-se em succus concretus que combinados com as pedras constituiam os minerais. Se o succus petreo migrasse pelos poros de animais ou vegetais, os transformava em pedra - a explicação para o processo de formação de um fóssil. Esses conceitos, comparados com nosso conhecimento atual podem parecer aberrações ridículas, mas são geniais se imaginarmos que foram estabelecidos numa época que se acreditava que os navegadores como Vasco da Gama e Pedro Alvares Cabral, teriam grande chance de cair da borda de um mundo achatado e suportado por quatro enormes elefantes.

Imagens maravilhosas

O Universo sempre fascinou os humanos em qualquer momento da história.

Nada como a fascinação de uma criança na frente de um bom telescópio observando a Lua ou Saturno.

Quando vejo as imagens do telescópio Hubble, me sinto como um caranguejo na Terra com um olho pedunculado de 300 km. As imagens são belísimas e de uma nitidez impressionante e têm ampliado grandemente o nosso conhecimento sobre a estrutura e a composição de planetas, estrelas, galáxias e da dinâmica e expansão do Universo com base em imagens e informações espectroscópicas na faixa do visível, ultravioleta e infravermelho próximos.

Vale muito um acesso à galeria de imagens recolhidas pelo Hubble http://heritage.stsci.edu/gallery/gallery.html




Mas como a natureza é fractal, semelhante a si mesma e se repete em qualquer escala, vale a pena observar também o arquivo de imagens de minerais no site Exceptional Minerals

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Continuação do Capítulo 3 postado em 11/9/2009

Capítulo 4 - Segunda fase do projeto: argumentos usados na decisão final pela execução de projetos de prospecção geoquímica como parte integrante dos programas de prospecção mineral na Bahia

A prospecção geoquímica vinha sendo aplicada com amplo sucesso na Rússia, na Escandinávia, no Canadá e na África do Sul. Seria aplicável no Brasil? De que maneira nosso clima, topografia, litologia, cobertura vegetal etc. se combinam para torná-la viável e significativa em nosso país?

Amostras de solo tomadas nas vizinhanças da cidade do Salvador, Bahia, por Richard W. Lewis e sua equipe do Laboratório de Geoquímica, mostraram uma variação grande na concentração de vários elementos químicos usualmente usados em prospecção geoquímica, sugerindo contrastes suficientemente acentuados para indicar eventuais ou possíveis anomalias geoquímicas atribuíveis à presença de jazidas minerais.

Um trabalho preliminar com a tomada de amostras de solos com distribuição segundo padrão radial, em Caraíba, mostraram variações de teor ainda mais acentuadas entre os solos da área sobre a jazida e a vizinhança admitida como estéril, do que na região de Salvador, o que fez aumentar a esperança de sucesso da aplicação do método geoquímico de prospecção mineral na região, confirmado posteriormente pelos resultados encontrados. A possibilidade de descobrir outros jazimentos que aumentassem o potencial cuprífero da região, com o uso da geoquímica, era muito forte.

O exame da drenagem, feito em fotos aéreas na escala de 1:250.000, sugeriu que a jazida de Caraíba estava próxima do eixo de uma grande estrutura anticlinal com inclinação, plunge, para o norte. Imaginou-se então que a Anticlinal identificada constituiria um indicador favorável à existência de outros corpos cupríferos e, portanto, parecia justificado supor que se estivesse diante de uma província metalífera com concentrações anormais de cobre.

Se isso fosse correto, fortaleceria a execução de um estudo orientativo capaz de dar indicações sobre:

- O material a ser coletado como amostra

- A posição (profundidade, se fosse solo) de onde retirar a amostra para preparação e análise

- A densidade (espaçamento) das amostras nas fases orientativa que definiriam a densidade de amostragem num programa regional

- Os elementos químicos que deveriam ser analisados e que dariam indicação sobre a gênese da jazida, já na fase de prospecção orientativa

- O método analítico que se deveria adotar nas determinações de laboratório, tendo em vista, custo, rapidez, precisão dos resultados.

4.1 RESULTADOS DA ETAPA DE PROSPECÇÃO GEOQUÍMICA ORIENTATIVA E CONCLUSÕES POSSÍVEIS

Enfatizando:

A aplicabilidade da prospecção geoquímica foi definida como exeqüível após uma amostragem aleatória de solos e na região de Salvador (tropical úmido) e em Caraíba (tropical semi-árido). O estudo geoquímico em Caraíba, conduzido por R.W. Lewis, em 1961, constou de amostragem de solos, vegetais e sedimento de corrente (sedimentos fluviais coletados no leito da drenagem) cujos resultados foram publicados em 1964 e 1966. 10

a) Na prospecção orientativa, a associação de cobre, com níquel, cromo e cobalto indicava ambiente máfico/ultramáfico para a jazida de Caraíba. Se essa mesma associação fosse encontrada em outros locais mostrando, em adição, configurações semelhantes quanto à distribuição das isopletas desses elementos químicos, se ainda o solo local fosse do mesmo tipo encontrado em Caraíba, a área poderia ser considerada um alvo geoquímico importante para estudo adicional;

b) Embora zinco e molibdênio apresentassem configurações semelhantes aos de Cu, Cr, Ni e Co, suas concentrações eram demasiado fracas para justificar a aceitação da hipótese de jazida do tipo cobre pórfiro;

c) A distribuição de chumbo no solo não apresentou nenhuma correlação com a distribuição do cobre e por ter apresentado concentrações extremamente baixas permitiu que se descartasse de imediato a hipótese hidrotermal para a jazida de cobre de Caraíba, o que se confirmou em todos os alvos geoquímicos testados mais tarde.

d) Planejou-se analisar sistematicamente ouro, selênio, arsênio e antimônio, o que não foi feito, considerando, entre muitas outras razões, que as conclusões já aceitas eram satisfatórias e não necessitavam de apoio adicional;

e) A análise de mercúrio foi descartada considerando o alto grau de metamorfismo a que havia sido submetida a região, que criava um ambiente em que qualquer eventual mercúrio presente seria expulso para longe;

f) Como as configurações da distribuição de cobre, níquel, cromo e cobalto eram semelhantes e superpostas -- com as configurações de zinco e molibdênio deslocadas (inclusive porque sua mobilidade no ambiente secundário diferia dos outros elementos analisados) -- concluiu-se que, no levantamento regional, por uma questão de custo e rapidez, bastaria que se determinassem as concentrações de Cu ocasionalmente complementadas pela determinação de Cr, Ni e Co para confirmação;

g) As isopletas de 1.000 ppm (mil partes por milhão) de cobre coincidiram com o perímetro sub-aflorante da jazida de Caraíba e valores intermediários até 100 ppm (cem partes por milhão) foram encontrados até 800 metros distante do limite do corpo da jazida; esse dado indicava que, na prospecção regional, aas amostras solo deveriam ser coletadas nos nós de malha retangular com intervalo de mil metros na direção norte-sul, e 500 metros na direção leste-oeste;

h) A profundidade que apresentou o melhor contraste entre as concentrações dos elementos no solo, na fase de prospecção orientativa, situou-se entre 5 e 25 cm e deveria ser adotada em prospecção regional na região do vale do rio Curaçá. Coincidentemente é a profundidade que permite executar a amostragem com maior rapidez.

4.2 Outras revelações do estudo orientativo

4.2.1 Valor de anomalia na região - A variação das concentrações dos elementos no solo sugeriu que se definisse como anomalia toda concentração de cobre no solo superior a 100ppm. A curva isopleta de 1.000 ppm de cobre praticamente coincidiu com a parte sub-aflorante da jazida de Caraíba, caracterizada por solo bastante argiloso de cor castanha bem distinto dos solos arenosos de cor branca a amarelada dos solos desenvolvidos sobre os gnaisses e granitos da área. Também os valores anômalos de cromo, cobalto e níquel associadas aos valores anômalos de cobre, além de indicar mineralização máfica/ultramáfica, coincidiam com o corpo sub-aflorante da jazida de minério de cobre de Caraíba. O encontro de panoramas semelhantes poderia significar ou jazida sub-aflorante ou vazamento produzido por água subterrânea ao longo de superfícies de falha que atravessassem corpos máficos em profundidade e que poderiam ser revelados/confirmados por prospecção geofísica.

4.2.2 Revelação inédita - Nas fotografias aéreas, esses solos associados às rochas máficas e ultramáficas ficavam bem distintos e foram selecionados, mais tarde, como alvos para detalhamento e posteriormente outros foram investigados em trabalho nas áreas requeridas para pesquisa pela Caraíba Metais. Vários desses alvos foram objeto de sondagem rotativa e revelaram a presença de máficas mineralizadas com cobre e platina em profundidade. É a primeira vez que esta informação, sobre a presença de minerais de cobre nos alvos geoquímicos revelados em trabalho para a Caraíba Metais, está sendo revelada em público. Essa informação poderá, no futuro, estimular o retorno a uma importante fase de pesquisa mineral e de mineração de cobre na região.

4.2.3 Método geofísico que se revelou recomendável para aplicar na região cuprífera da Bahia e confirmar presença de corpo máfico mineralizado nos alvos geoquímicos definidos na prospecção regional

Somente depois dessa fase se poderia partir para um programa de prospecção geofísica (elétrica, magnética ou gravimétrica) que exige maiores investimentos que a geoquímica. Mais tarde, pensando na interferência da eventual presença de grafita, cuja presença foi verificada nas rochas da região, os levantamentos eletro geofísicos foram descartados como uma etapa de trabalho de confirmação da mineralização de cobre, antes de passar para a etapa de sondagem rotativa com testemunho de sondagem. Como a presença de magnetita, ilmenita e outros minerais ferromagnéticos poderiam estar associados a qualquer tipo de rocha na região e interferir na interpretação dos resultados geofísicos de magnetometria, sugeriu-se que o tipo de levantamento geofísico mais apropriado para a região para distinguir entre rocha máfica mineralizada com cobre e demais tipos de rocha, seria o gravimétrico.

A gravimetria despontava como o método mais adequado de prospecção geofísica na região, por ser capaz de melhor distinguir corpos máficos e ultramáficos com piritas e calcopiritas, mais densos que as rochas silico-aluminosas encaixantes e predominantes na região. Essa orientação foi adotada por volta de 1972 quando o geofísico Antonio Carlos Motta, a pedido nosso, quando trabalhando para a Caraíba Metais, fez um levantamento gravimétrico sobre uma anomalia geoquímica revelada no levantamento regional. Nessa anomalia, foi detectado, em profundidade de cerca de cinqüenta metros, um corpo mais denso que as rochas adjacentes a ele, e que, após furo de sonda, revelou ser de composição máfica com minerais sulfetados de cobre e mais de 1,5% desse metal, além de prata e platina. Assim, justificava-se o uso de gravimetria na complementação da prospecção geoquímica, aplicada sobre as anomalias reveladas na campanha de geoquímica regional.

(Continua no próximo Capítulo)

Sylvio de Queirós Mattoso

Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

domingo, 13 de setembro de 2009

Domingo triste

Nesse começo de tarde chuvosa e fria de Curitiba, recebi uma notícia que me deixou profundamente consternado e que deve entristecer aos geólogos brasileiros: faleceu o Prof. Dr. Elias Carneiro Daitx, professor do curso de geologia da UNESP de Rio Claro.
O Elias foi meu colega de turma na Escola de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ingressamos juntos em 1968.

Lembro que na Escola de Geologia ele manteve por algum tempo um jornal mural de apenas um exemplar; assinava com o pseudônimo de "Zé Miserável" numa referência irônica - como era seu estilo - à sua origem humilde. Devido às suas opiniões fortes e críticas irônicas ao regime militar, foi chamado ao gabinete do Diretor da Escola de Geologia Roberto Issler, com quem teve um forte e ferrenha discussão, que no ponto mais ácido foi ameaçado de expulsão.

O Elias era um geólogo de velha estirpe e dos melhores que conheci, pois "olhava atrás do espelho". Especialista nas mineralizações e na geologia do Vale do Ribeira entre São Paulo e Paraná, conhecia a região como poucos. Nos encontrávamos frequentemente; na última vez em Curitiba, em outubro de 2008 durante o Congresso Brasileiro de Geologia. Estivemos juntos há uns dois anos em Adrianópolis, PR e ele nos guiou numa visita às minas abandonadas de Perau e Canoas e na geologia de superfície do Vale. Conhecia cada afloramento e lembrava de todos os trabalhos desde a geoquímica regional até as sondagens que foram feitas na região que foi o tema de seu doutorado.

A atuação dele como Conselheiro do CREA e militante da defesa da profissão dos geólogos é tida como referência e será lembrada por todos, por suas opiniões claras e decisivas e de suas defesas inflamadas, mas respeitosas.
Tive contato com alguns de seus ex-alunos na UNESP de Rio Claro e todos lembravam dele como extremamente rígido e até ríspido, mas de uma grande lealdade e honestidade na relação professor-aluno como poucos professores têm.

Tinha um humor ácido, mas de grande inteligência, mas tinha principalmente um profundo senso de ética e de respeito à geologia e à natureza.
Resolvi fazer uma homenagem a esse amigo que nos deixou tão cedo e com tanto ainda por fazer, colocando aqui duas imagens: a ficha do Diretório Acadêmico da Escola de Geologia e a outra, que tenho certeza como ele gostaria de ser lembrado - com martelo na mão e com as botas sujas com o barro do Vale do Ribeira.



Elias, foi um grande privilégio te conhecer ! Vais fazer muita falta à geologia e aos geólogos brasileiros!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

As fases de um projeto

Quem participou de um projeto de qualquer natureza ou porte, sabe dos desencontros e mal-entendidos que ocorrem nas várias fases e entre as diversas equipes de profissionais envolvidos. O vocabulário e jargões diferentes, a má vontade, a antipatia gratuita e as vezes verdadeira e a burocracia interna são alguns dos fatores que contribuem para que uma idéia simples seja encaminhada de forma enviezada podendo transformar-se em um elefante branco.

Revirando uma pasta no fundo de uma estante, encontrei as figuras abaixo que retratam com bom humor e fina ironia esses desentendimentos. Com um pouco de imaginação, pode-se aplicar a um projeto de exploração mineral



Não consigo lembrar de onde as copiei e espero que o autor me desculpe (entre em contato comigo que imediatamente eu darei os devidos os créditos).

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Continuação do Capítulo 2 postado em 8/9/2009 (ver abaixo)

Capítulo 3 - O projeto de pesquisa conduzido pelo Laboratório de Geoquímica – UFBA, no período 1962-1970

3.1 Origem e desenvolvimento de um programa de pesquisa em Prospecção Geoquímica. Caso dos jazimentos de minério de cobre do Nordeste da Bahia (Caraíba, Surubim e outros)


3.1.1 OBJETIVOS
GEOLOGIA É CIÊNCIA e, por isso, consideramos importante (pelo seu caráter pioneiro) divulgar amplamente a metodologia empregada nos estudos geoquímicos para cobre no vale do rio Curaçá, afluente pela margem direita do rio São Francisco, Nordeste da Bahia, em seus vários desdobramentos, caracterizados por uma metodologia científica dentro do modelo “formulação de hipótese de trabalho para cada nível de conhecimento –- trabalho de verificação da hipótese formulada – formulação de novos pressupostos e assim por diante.
Serão apresentados os modelos de raciocínio em cada fase com o objetivo também de contribuir para a divulgação de uma metodologia de interpretação dos resultados, fase importante de todo trabalho nas Geociências. Esse é um modelo. Certamente haverá outros.
São objetivos adicionais: aplicação da metodologia à complementação de mapeamento geológico de superfície em regiões de frequente variação de litologia em regiões de rochas submetidas a metamorfismo regional, que apresentam vários graus e tipos de metamorfismo, com registro de vários tipos de vulcanismo. Em adição as rochas ígneas presente podem ter sido tanto anteriores ao metamorfismo regional, como contemporâneas e até posteriores a esse metamorfismo regional. As rochas ígneas incluem granitos, diabásios e gabros, e possivelmente quimberlitos. A primeira suspeita, quase confirmada, da presença de quimberlitos se deu como resultado de trabalho de prospecção para ilmenita na região de Floresta, Pernambuco, usando como base fotos de satélite com imagem em infra-vermelho (1973-1978).

3.2 PRIMEIRA FASE DO PROJETO: prospecção orientativa
Após a coleta de 1.400 amostras de solo e 9.800 determinações analíticas, abrangendo os sete elementos citados, a primeira fase do trabalho de prospecção orientativa foi concluída sobre o depósito de minério de cobre de Caraíba, Bahia. A presença sistemática de cobalto, níquel e cromo, nos solos sobre o jazimento de Caraíba, mostrou que a mineralização estava associada a rochas máficas e ultramáficas. Esse fato despertou entusiasmo pelo fato de que no Canadá e na África do Sul existiam importantes jazidas de minério de cobre associadas a rochas máficas e ultramáficas. As jazidas de minério de cobre não era privilégio de rochas submetidas à atividade hidrotermal nem de associações com pórfiros, como no Chile, por exemplo.
Por que geoquímica? Por se tratar de uma metodologia de trabalho de bons resultados, e fácil interpretação dos resultados, de baixo custo e de rápida execução cujo sucesso no sul da África e no Canadá estava registrado na literatura geológica.
Por que cobre? Por que não outro metal ou outro tipo de jazida? A resposta a essa indagação encontrava-se no fato de o Brasil importar, naquele período, todo o cobre que consumia. Como o país tinha um programa de expansão de sua rede de produção e distribuição de eletricidade, com ênfase forte em geração de energia hidroelétrica a fim de sustentar um programa contínuo e crescente de industrialização, havia necessidade de expandir a indústria de produção de fios, chapas e outros produtos de cobre. O Brasil, em 1961-64, considerava prioritário produzir energia elétrica e, por isso, o cobre ganhou precedência sobre todos os outros metais não ferrosos que pudessem ter importância no processo de industrialização do país.
Além desses fatores, a prospecção geoquímica em Caraíba mostrou que a jazida é de filiação magmática, com os minerais de cobre inseridos em rochas de natureza máfica (ferro-magnesianas).
Em 1961/62 foi realizado também um levantamento magnetométrico terrestre em Caraíba e adjacências com equipamento portátil da Jallander, cujo resultado revelou forte interferência de expressiva concentração de magnetita nos gnaisses e migmatitos da região. Foi feita também uma amostragem de sedimentos fluviais na drenagem da região de Caraíba e, como os métodos analíticos que estavam sendo usados (via úmida, comparação visual de cor e tonalidade) apresentaram valores baixos, de pequena precisão e variância elevada, os esforços se dirigiram para a amostragem de solos.
Assim, uma vez definido que a prospecção geoquímica funcionava à perfeição no Nordeste (semi-árido) da Bahia, parecia razoável estender o trabalho orientativo bem-sucedido em Caraíba a toda a região vizinha, que tivesse características pedológicas e geológicas análogas às de Caraíba. O sucesso desse programa levaria à extensão do método à prospecção de outros minerais econômicos, metálicos e não metálicos e a outras regiões do Brasil.

3.2.1 Província Geoquímica. Conhecimento que se possuía na época para a proposição do projeto regional e que se admitia seria bem sucedido - Nos anos 1950 e 1960 esboçava-se o conceito de Província Geoquímica, entendida como regiões da crosta, com dimensões variadas, de composição química diferente da composição média da crosta, relacionadas à qual estariam jazidas minerais de metais (cations) em associações geoquímicas próprias. As jazidas seriam resultado da gênese das rochas regionais, em vez de resultado de um processo geológico único e exclusivo, e se nessa região fosse encontrada jazida de um determinado metal, a região (província geoquímica) poderia encerrar outras jazidas semelhantes. Essa idéia, esse pressuposto, deu ao levantamento geoquímico regional um lugar de proeminência na prospecção mineral.
Naquela época, existiam quatro regiões do Brasil onde eram citadas ocorrências de minérios de cobre: Camaquã, no rio Grande do Sul; Vale do Ribeira, em São Paulo; Vale dos Barris na Bahia e Sergipe; e Caraíba, na Bahia. As ocorrências da Bahia pareciam as mais promissoras, por estarem inseridas no que parecia ser um província geoquímica de rochas máficas e ultramáficas pertencentes a um complexo metamórfico, tal como no Canadá e sul da África. Por esse motivo, para o primeiro trabalho de prospecção geoquímica regional no Brasil foi escolhida a região do vale do rio Curaçá.

3.2.2 Algumas suposições ainda a confirmar - Conhecimento fragmentado da geologia fazia supor uma província geoquímica de cobre estendendo-se, na Bahia, desde Vitória da Conquista, ao sul, até Juazeiro, Curaçá e Chorrochó, ao norte. Trabalho usando imagens de satélite como um auxiliar de prospecção geoquímica para titânio na região de Floresta, em Pernambuco, mais tarde, permitiu supor que essa província geoquímica abrangeria outros metais além de cobre e se estenderia até a província pegmatítica da Paraíba e Rio Grande do Norte. Outros metais e minerais pertencem a essa província: rochas de filiação máfica e ultramáfica contendo ilmenita, cromita, e metais como prata e platina foram confirmados em 1973-78 e, pessoalmente, suspeito que em alguns locais dentro dessa faixa citada, de mais de mil quilômetros de comprimento norte-sul, possam ocorrer kimberlitos. Esses quimberlitos, se presente, terão tido sua forma original bastante modificada pelo intenso metamorfismo regional a que foi sujeita toda essa região, a ponto de dar-lhes uma configuração muito alongada, bem diferente dos quimberlitos encontradas na África. Os mapas geológicos mais recentes produzidos pela CBPM, da Bahia, poderão ajudar a responder a algumas dessas indagações.
Na região ferrífera de Minas Gerais (que em memória de Dr. Luciano Jacques de Moraes evito chamar de “Quadrilátero”), a avaliação do potencial de minério de ferro baseou-se exclusivamente em mapa geológico na escala de trabalho de 1:25.000. A aplicação do mesmo método na Bahia, em área pelo menos dez vezes maior que a província ferrífera de Minas Gerais, poderia ser mais demorada e dispendiosa que a aplicação da prospecção geoquímica regional. Além disso, faltavam na ocasião elementos de apoio a um programa dessa natureza.

3.2.3 Hipóteses de trabalho testadas - A prospecção geoquímica, embora tema bastante novo e ainda não usado no país no início dos anos 1960, envolvia trabalho sistemático de amostragem de materiais da crosta e acenava com a possibilidade de:
A - ajudar na identificação e distinção das litologias nos programas de mapeamento geológico, sobretudo por se estar usando amostras de solos residuais;
B – permitir, numa única passagem do geólogo, coletar amostras de material capaz de pelo menos insinuar a presença de elementos químicos (metais) concentrados e acumulados na forma de jazidas minerais;
C – permitir relacionar tipos definidos de rochas e/ou estrutura geológica a processos de mineralização;
D – na amostragem de sedimentos fluviais (sedimentos de corrente) permitir a criação ou a elaboração de uma idéia do tipo e natureza da província ígnea e/ou metamórfica que caracteriza a região;
E – pelo uso de técnicas analíticas rápidas e de baixo custo, pouco exatas mas bastante precisas, seria possível chegar com rapidez a resultados positivos (ou negativos) que permitiriam decidir entre desprezar áreas impróprias ou com baixa probabilidade de conter jazimento econômico, ou aprovar e incorporar áreas favoráveis a concentrações econômicas de minerais com considerável economia de tempo e de recursos;
F – considerando ainda algumas diferenças entre o Canadá e o Brasil, havia grande esperança de êxito quanto à aplicação da prospecção geoquímica regional no Nordeste do Brasil, por estar ausente, na região, cobertura de sedimentos recentes capazes de mascarar a natureza das rochas subjacentes.
G – valores elevados dos metais analisados, ao longo de faixas (linhas) extensas e de pequena largura, podiam indicar vazamento ao longo de linhas de falha que atravessasse corpos máficos mineralizados e em profundidade, incapazes de produzir qualquer expressão superficial, portanto com solos desenvolvidos sobre rochas não máficas. Essa situação ocorreu algumas vezes, como se verificou ao término do trabalho.

(Continua no próximo Capítulo)

Sylvio de Queirós Mattoso
Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Continuação do Capítulo 1 postado em 4/9/2009 (ver abaixo)
Capítulo 2 - Considerações sobre o Projeto de Prospecção Geoquímica e seu provável sucesso como metodologia a ser aplicada no levantamento de recursos minerais no Brasil

2.1 Trabalho pioneiro. Razões da escolha da área geral de trabalho. Prospecção orientativa e aplicação dos resultados da fase orientativa na prospecção geoquímica regional. As três etapas ou fases do projeto
Nos anos 1950, a região da Bahia que se estende do rio São Francisco para o sul, até o rio Itapicuru, com o meridiano de 40º como eixo, poderia ficar esquecida ainda por muito tempo devido ao clima com chuvas mal distribuídas (no tempo e no espaço), considerado então como impróprio à agricultura convencional, apesar do relevo quase plano interrompido por ocasionais serras (Itiuba e outras) e sem rios perenes. Entretanto, ocorrências minerais conhecidas desde o século 18, de cobre, cromo, ouro e outros levaram o governo brasileiro a considerar essa região como prioritária em seus programas de estudos geológicos. Em adição, a rede de drenagem dessa região é bastante densa, favorece a construção de barragens para açudagem e satisfação plena das necessidades de água para uso doméstico e irrigação, o que poderia ser complementado com sucesso por poços tubulares e construção de cisternas para recolher a água da chuva e amenizar o efeito da evaporação que atinge anualmente até 3.600 milímetros, que é justamente o que agrava a baixa precipitação entre 250 e 500 milímetros por ano nessa região. A atividade de mineração na região teria o mérito de acelerar e viabilizar as obras para sanar o abastecimento de água no Nordeste semi-árido da Bahia. Os tipos de rochas, o intenso metamorfismo que as afetou, o tipo de relevo dominante nas condições de clima da região permitiram o desenvolvimento de solos residuais, isto é, desenvolvidos pela ação do intemperismo sobre as rochas subjacentes, mas ocasionalmente interrompidos por massas de rocha fresca (não alterada por ação do intemperismo) de extensão variada, que favorecem a aplicação de técnicas de prospecção geoquímica.
Essa região, com cerca de 250 km de comprimento Norte-Sul, e cerca de 100 km de largura, apresenta uma geologia que guarda muitos aspectos semelhantes aos complexos máficos ora da África do Sul, ora do Canadá, ora da Austrália.
País carente de cobre até o fim dos anos 1970, importando 95% de suas necessidades anuais desse metal imprescindível para o programa de distribuição de eletricidade da rede de usinas hidroelétricas em construção e necessárias à industrialização do país, era natural que essa parte do Nordeste da Bahia despertasse interesse especial do ponto de vista econômico.
Até 1960, os estudos relativos à geologia da região praticamente limitaram-se a tratar dos depósitos minerais de Campo Formoso, Santa Luz, Saúde, do depósito de minério de cobre de Caraíba e ocorrências em sua vizinhança, ouro, urânio e manganês da rega da serra de Jacobina e ouro nos aluviões do rio Itapicuru.

2.2 As três etapas, ou fases, do projeto - Organizado o Laboratório de Geoquímica na Universidade da Bahia, o primeiro trabalho de prospecção geoquímica sistemático foi planejado de modo a atender o programa de desenvolvimento do estado da Bahia. Estava em discussão, na época, o eventual aproveitamento de conhecido depósito de minério de cobre em Caraíba, no semi-árido baiano, cerca de 80km a sudeste da cidade de Juazeiro, situado na margem do rio São Francisco, e entre as cidades de Jaguarari e Uauá. O trabalho seria realizado em três fases: prospecção orientativa; prospecção regional, para definição de alvos geoquímicos; e detalhamento dos alvos, que poderia ir até a etapa de sondagem. Na área do depósito de Caraíba, o DNPM fizera executar algumas perfurações, em anos anteriores, cujo resultado ainda não permitia um planejamento adequado de um programa sistemático de sondagem na região. Os dados de geologia eram escassos.
As questões a responder, com o auxilio da prospecção geoquímica, eram: (i) a eventual jazida teria expressão sub-aflorante significativa que permitisse um plano de sondagem eficiente e eficaz? Isto é, o solo residual desenvolvido sobre cada tipo de rocha subjacente teria características que permitissem associar o tipo de solo ao tipo de rocha? (ii) a jazida seria do tipo cobre pórfiro, seria associada a rochas máficas e ultramáficas, ou teria origem hidrotermal? (iii) haveria alguma relação entre a vegetação (variação no porte do vegetal, na forma de seus ramos e folhas, na cor das flores, na densidade de cobertura de folhas), o solo e a topografia com a mineralização de cobre? (iv) haveria outros corpos de minério do mesmo tipo na região ou em prolongamento da ocorrência ou depósito mineral (ainda não era jazida) já conhecida? (v) como usar a geoquímica para responder a essas questões? (vi) qual o melhor material a amostrar: solo, sedimento de corrente, se algum vegetal, qual vegetal e qual parte do vegetal? (vii) qual o intervalo de amostragem que se deveria adotar, tanto no caso de solo como dos outros materiais usados como amostra (vegetal, rochas, minerais mais resistentes ao intemperismo e presentes no solo)? Portanto, a primeira preocupação desse trabalho de prospecção geoquímica na Caraíba, Bahia, era dar-lhe um caráter eminentemente orientativo, como de praxe ocorre nos casos de área nova a desbravar.

2.3 Como o problema foi abordado. Escolha, ou definição, dos elementos químicos a analisar e outras escolhas/definições para executar o projeto.

2.3.1 Uma comparação nada ortodoxa -
Pode parecer estranha a comparação, mas o leitor de romances policiais encontra, no planejamento de uma campanha de prospecção mineral, muita semelhança com o planejamento do trabalho de um detetive. Usam-se vestígios, procura-se caminho percorrido (pelos processos geológicos que originaram a jazida ou depósito e pelos “resíduos” liberados pelo depósito no solo e na drenagem que corta o depósito e suas vizinhanças, que são usados como evidências), as transformações da “cena do crime”, detalha-se a “cena do crime” e, se possível, procura-se, entre os vestígios do “corpo, e vestes”, deixados no caminho do criminoso, até mesmo o DNA deste, que no caso de prospecção geoquímica equivaleria à assinatura geoquímica do tipo de jazimento que se procura. Os trabalhos de perfuração (sondagem), para revelar o valor da descoberta, equivalem a uma autópsia do corpo delito.

2.3.2 Parâmetros a definir para o trabalho de prospecção geoquímica - Assim, além da definição ou escolha dos elementos a analisar, escolheu-se também: (i) o método analítico para cada elemento químico capaz de dar alguma indicação de mineralização e presença de depósito ou jazida mineral; (ii) o material que deveria ser analisado, se solo, sedimento fluvial, água de fonte ou de rio, parte de vegetal (raiz, folha, casca etc.) e que vegetal, capaz de acumular os elementos químicos sob investigação; (iii) profundidade de solo de onde se deveria retirar a amostra, granulometria do solo ou do sedimento a usar para que o resultado fosse coerente e desse indicação da posição do “objeto” sob investigação; (iv) em alguns casos, coleta de gás do solo ou do ar próximo ao solo, que pudesse revelar a presença do que se procurava; enfim qualquer material que pudesse dar uma idéia da presença e até do caminho que conduzisse ao processo geológico e geoquímico que originou a jazida naquele lugar onde se encontra.
Em Caraíba, o critério por traz da escolha dos elementos químicos a analisar levou em consideração a possibilidade dos elementos escolhidos lançarem luz sobre a gênese da jazida: seria hidrotermal, associação máfica/ultramáfica, ou do tipo cobre pórfiro?
Assim, foram escolhidos, como importantes para essa definição, sete elementos: níquel, cobalto, cromo, cobre, molibdênio, chumbo e zinco. O conjunto dos três primeiros (Co, Ni, Cr) indicaria mineralização associada a rochas máficas e ultramáficas. Concentrações elevadas de molibdênio indicariam jazida do tipo cobre pórfiro; e concentrações altas de chumbo e zinco indicariam mineralização de origem hidrotermal.
As relações litológicas conduziriam a uma interpretação da evolução petrológica e estrutural que teria dado origem às jazidas de Caraíba e a eventuais similares encontradas na mesma província geoquímica. Claro que, nesse intervalo de tempo geológico (as rochas eram do Precambriano), poderia ter havido superposição de eventos e processos, mas uma associação Cobre/Molibdênio daria substância à hipótese de cobre pórfiro. Isso abriria a possibilidade de encontrar uma província de imenso potencial econômico. Logo, valia a pena tentar a aplicação da geoquímica.
Havia ainda quatro outras perguntas a responder: 1. Qual a profundidade de amostragem que daria o contraste mais acentuado entre as concentrações de cada elemento analisado? 2. Qual a granulometria ideal que deveria ser separada e analisada capaz de produzir contraste acentuado entre os valores analíticos obtidos? 3. Qual o intervalo de amostragem, no caso de solo? (considerando a extensão esperada do corpo sub-aflorante do minério, cerca de dois mil metros por quinhentos metros de largura, seria recomendável usar intervalo de amostragem em malha de 50 por 100 metros, abrangendo, porém uma porção (extensão) substancial das rochas encaixantes do corpo de minério). 4. Qual o método analítico a usar para cada um dos elementos escolhidos para análise (Ni, Co, Cr, Cu, Mo, Pb, Zn)?

2.3.3 Aplicação da geoquímica à complementação de mapeamento geológico - Na aplicação dessa metodologia descrita, à prospecção geoquímica regional, em área de grande variedade de rochas ígneas e submetidas a intenso metamorfismo regional, que modificou forma e composição mineral das rochas, como é o caso da maior parte do semi-árido do Nordeste do Brasil, mostrou que a prospecção geoquímica por amostragem de solo é útil para complementar campanhas de mapeamento geológico nesse ambiente de extremamente variada litologia, pois cada uma das rochas tem sua “assinatura geoquímica” própria.

(Continua no próximo Capítulo)

Sylvio de Queirós Mattoso
Salvador, BA, 02 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

A verdadeira história do pré-sal

Leia o texto escrito por João Victor Campos, diretor da AEPET - Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, publicado no Correio da Cidadania (24/06/09) e postada no site da AEPET
http://www.aepet.org.br/index.php?==QO0YTO1QTNyUjN98GZ1VGdu92YfRWamETM98GZ1VGdu92Yf9GcpRnJ39Gaz91bkVXZ052bj1jbvlGdjFmJvRWdlRnbvN2Xk5WZ052byZWPlN3chx2Y5gDO5kDO

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Série "Memórias Geoquímicas" - Conhecer e respeitar o passado para entender o presente e planejar o futuro

Eu conheci o Prof. Sylvio de Queirós Mattoso em 1980, no Congresso de Geologia realizado em Camboriú, SC. Ele, pesquisador conhecido e conceituado (e com um basto e respeitável bigode grisalho) da Universidade da Bahia coordenava a mesa dos trabalhos do Simpósio de Exploração Geoquímica. Eu, jovem e trêmulo geólogo, apresentava o resultado dos trabalhos de exploração geoquímica da Companhia Brasileira do Cobre que resultaram na descoberta da jazida de Pb-Zn-Ag da Fazenda Santa Maria, nas vizinhanças das Minas do Camaquã, RS. Depois disso, tive a felicidade de encontrá-lo com sua caríssima Regina, esse casal bem humorado e de bem com a vida, em diversas oportunidades. Como ele participou ativamente de muitos trabalhos pioneiros de exploração geoquímica principalmente na Bahia, o convidei para escrever algumas linhas para incluir na secção “Memórias geoquímicas”. Ao invés de algumas linhas, ele me presenteou com 15 páginas de um belíssimo material que com muita satisfação passarei a publicar em capítulos a partir de hoje. Ao Sylvio, meu caro amigo, agradeço em nome de todos os leitores desse blog, essa rara oportunidade de compartilharmos dessa visão pessoal, criativa e até bem humorada, do início da exploração geoquímica do Brasil.



Capítulo 1 - Algumas notas sobre os primeiros trabalhos de prospecção geoquímica na Bahia
Sylvio de Queirós Mattoso, DSc
Engenheiro de minas e metalurgista


1 - ANTECEDENTES REMOTOS (inclui um breve histórico com leves toques auto-biográficos)
Obs.: O texto contém as hipóteses de trabalho e os resultados de cada projeto para a verificação dessas hipóteses.
Com freqüência, muita atividade nova revela uma história cujo início está distante do local onde se desenvolveu. Isso se aplica em relação à prospecção geoquímica na Bahia, que teve início em 1962, mas resultante de eventos ligeiramente anteriores.
Em 1955, existiu um programa de estágio para brasileiros (e outras nacionalidades) oferecido pelo governo dos Estados Unidos na área de geologia. Naquele tempo chamava-se PONTO IV e foi renomeado para USAID no governo Eisenhower. Segundo os americanos daquela época, os programas oficiais tinham continuidade mesmo quando mudava o governo, embora mudassem o nome, a fim de desvinculá-lo do governo anterior. Dentro do programa do PONTO IV o Brasil teve uma produtiva cooperação entre o USGS, o serviço geológico do governo dos Estados Unidos, e o Departamento Nacional da Produção Mineral, do governo brasileiro, que vinha desde o início dos anos 1940. Esse programa de cooperação entre os dois países esteve voltado para o levantamento geológico da região ferrífera de Minas Gerais e incluiu o treinamento de geólogos brasileiros nos Estados Unidos. A fundação dos primeiros cursos de geologia no país data de 1956, e todos (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife) contaram com a cooperação do programa USAID.
Em 1956 fui indicado para participar do programa de treinamento em geologia nos Estados Unidos, dentro desse programa (PONTO IV = USAID) que, ainda naqueles anos, procurava definir se esses treinamentos deveriam ser feitos em universidade ou em agências do governo americano. Meu estágio se desenvolveu com o U.S. Bureau of Mines e o U.S. Geologial Survey. Anos mais tarde, as autoridades do USAID decidiram que o treinamento de técnicos estrangeiros seria mais bem aproveitado e mais efetivo no ambiente universitário daquele país.
Com o USGS, meu estágio abrangeu trabalhos de geologia de mineração na área de fosfatos da Florida, no mapeamento das “under clays” de Kentucky e um pequeno curso e treinamento em prospecção geoquímica, no laboratório do USGS em Denver, Colorado. Um de meus colegas estagiando nesse curso de geoquímica foi Sérgio Estanislau do Amaral, da FFCLUSP, em junho 1956.
O curso de prospecção geoquímica, em Denver, abrangeu trabalhos de campo e de laboratório com análises geoquímicas também, feitas no campo.
Na ocasião, pareceu-me que a geoquímica se aplicaria muito bem no Brasil, mas não podia imaginar que viria a ser um dos primeiros a aplicá-lo em escala regional no país, mais especificamente na Bahia. Mas para chegar lá havia etapas intermediárias em outras linhas de ação.
Em 1957 fui trabalhar na equipe de formação de geólogos de petróleo de Fred L. Humphrey, no Curso de Geologia do Petróleo – CENAP, que a Petrobras tinha criado naquele ano em Salvador, Bahia. Naquela época, ouvi referências à geoquímica aplicada à pesquisa de petróleo. Em 1961, aceitei o convite para ser professor na recém fundada Escola de Geologia da Universidade da Bahia cujo reitor de grande visão, Edgard Santos, estava dando um grande impulso e um rumo novo à universidade da Bahia. Havia criado três Institutos: o de Matemática, o de Física e o de Química, e em 1957/58 fundou a Escola de Geologia.
Em 1964, fui convidado para participar do programa de Prospecção Geoquímica, que envolvia a Universidade da Bahia, representada pelo recém fundado Laboratório de Geoquímica (1960), e o USGS em convênio com o DNPM, à época, dirigido pelo engenheiro de minas Moacyr Vasconcellos. O líder de geoquímica do USGS no Brasil era Richard (Dick) W. Lewis, responsável pela formação dos primeiros geoquímicos na Bahia, que mais tarde deixaram muitos discípulos, ou seguidores, pelo Brasil.

1.1 Criação do Laboratório de Geoquímica na Bahia: LABOGEO. As primeiras equipes de laboratório e de campo - Em 1960/61, o DNPM, através seu Laboratório da Produção Mineral, assinou um Convênio com a Universidade da Bahia de que resultou a criação do Laboratório de Geoquímica, o qual forneceu todo o apoio analítico ao primeiro levantamento regional de recursos minerais, utilizando geoquímica em nosso país. Foi a primeira vez que se realizou um programa de prospecção geoquímica em nosso país com uma estrutura apropriada de pessoal e equipamento e, em adição, com forte apoio formal do CNPq.
Em 1964, fui convidado para participar do programa de Prospecção Geoquímica, que envolvia a Universidade da Bahia, representada pelo recém fundado Laboratório de Geoquímica (1960), e o USGS em convênio com o DNPM, à época, dirigido pelo engenheiro de minas Moacyr Vasconcellos. O líder de geoquímica do USGS no Brasil era Richard (Dick) W. Lewis, responsável pela formação dos primeiros geoquímicos na Bahia, que mais tarde deixaram muitos discípulos, ou seguidores, pelo Brasil.
A missão inicial do Laboratório de Geoquímica foi a de conduzir os trabalhos do convênio assinado com o USGS e o Laboratório da Produção Mineral do DNPM, à época chefiado por Aida Espinola, bacharel em Química. O Laboratório de Geoquímica da Bahia (Labogeo) era dirigido pela Professora Adelaide M. Santos, também bacharel em Química pela UFRJ. A equipe do Laboratório de Geoquímica incorporou, no setor de análise geoquímica, uma equipe muito ativa composta por: Pedro Sampaio Linhares, egresso do Instituto de Química - Universidade de Sergipe e incorporado ao Labogeo em 1966, Regina M. Ribeiro, Zenobia Rolemberg Ramos, Lauro Sílvio Passos de Azevedo, Walter de Mattos, José Maria de Godoy, Maria Angela Cabral Magalhães, Lícia da Nova Moreira, Maria Cely Brito, Marijorge Dias de Andrade, José Clodoaldo Cassa e os auxiliares dona. Olga e Verdival da Silva Conceição (Carioca). Essa equipe foi pioneira no desenvolvimento de métodos analíticos apropriados para as condições brasileiras de pesquisa na área de geoquímica.
Em 1969/1970, a Universidade Federal da Bahia criou o Departamento de Geoquímica, no Instituto de Geociências, que absorveu todas as funções e todo o pessoal do Laboratório de Geoquímica e, logo em seguida, em 1973, foi criado o Curso de Pós-Graduação em Geoquímica que inaugurou seu primeiro Curso de Mestrado em Geoquímica, que foi imediatamente contratado pelo Ministério das Minas e Energia/PLANFAP e pela CPRM, co-financiado pelo BNDES, formando os primeiros geoquímicos que foram fazer trabalhos de campo no Brasil. Os trabalhos do grupo de geoquímica da Bahia, no período 1961 a 1989, além do CNPq, contaram com o apoio financeiro do Ministério das Minas e Energia/PLANFAP, FINEP e SUDENE em vários de seus projetos e fases. Estamos informados que esse apoio continuou posteriormente.
Havia a preocupação, no início dos anos 1960, em saber se a prospecção geoquímica teria sucesso como método de prospecção mineral nas condições de clima e de geologia do Brasil. A bibliografia especializada disponível sugeria que sim.

1.2 Expansão das atividades do Laboratório de Geoquímica, incorporado como Departamento ao Instituto de Geociências UFBA - Considerando que solo e aspectos de relevo desempenham papel importante na prospecção geoquímica, porque revelavam os caminhos percorridos pelos elementos químicos associados às jazidas e depósitos minerais desde suas origens, o Laboratório de Geoquímica incorporou: (1) um setor de pedologia que contou com a colaboração do governo francês a partir de 1969, por meio de profissionais da ORSTOM, entidade hoje denominada IRD – Institut de Recherche et Developement (Jean Boyer, Pierre Sabaté, Alain Perraud, André Novikoff, Boris Volkoff, Gilles Riché, Gaston Sieffermann, François Soubiès); e (2) o grupo de Geomorfologia da Universidade da Bahia, liderado pela Professora Teresa Cardoso da Silva, seguidora do geógrafo Milton Santos, do qual participavam Pascal e Célia Motti. O grupo francês da ORSTOM (=IRD) treinou e formou vários profissionais em pedologia na Universidade da Bahia, alguns dos quais se incorporaram à geoquímica: Joaquim Julio de Oliveira, Lucedino Paixão Ribeiro e Tersandro Paz do Rego Monteiro (este na operação do aparelho de raios-X). Na área de geologia/geoquímica a equipe adicionou José R. Portela Brim, José Luiz Bautista Vidal, José Luiz Perez Garrido, Dorival Corrêa Bruni, Ricardo N. Andrade, Wilson S. Fontanelli entre outros. Foram também incorporados, mais tarde, para atuar em prospecção geoquímica, Peter Siems, da Universidade de Idaho (Estados Unidos) e Lawrence Baum.
È importante mencionar que o Laboratório/Departamento de Geoquímica, incorporou outros profissionais, como Gianpaolo Sighinolfi, Giuliano Sestin, William Fyfe e Ian Macreath, especializados em geoquímica fundamental e geoquímica de superfície o que permitiu ao LABOGEO estender seus projetos a outros setores da Geoquímica, incluindo biogeoquímica.
O entrosamento perfeito entre as equipes de análise química, geologia, pedologia e geomorfologia enriquecida com participantes da França, Itália, Canadá, Estados Unidos permitiu a realização de trabalhos originais de grande profundidade, que tiveram forte repercussão e influência na formação de pessoal capacitado nessas áreas e foi um exemplo muito bem sucedido de equipe multidisciplinar harmônica de composição internacional. O período 1962-87 foi o período áureo do Departamento de Geoquímica da UFBA.

Continua no próximo capítulo

Sylvio de Queirós Mattoso
Salvador, BA, 02 de setembro de 2009